Título: As bases movediças da aposta do BC
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Fonte: O Globo, 29/10/2011, Opinião, p. 6

Como o Banco Central esperava, as pressões inflacionárias arrefecem neste fim de ano, e há previsões de que a taxa poderá ficar em 6,5%, no limite superior da meta, depois de ter furado o nível de 7%. O fato parece reforçar a nova estratégia do BC de executar cortes na taxa básica de juros (Selic) - reduzida para 11,5% na última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), por decisão unânime -, sustentada na expectativa de maior deterioração da conjuntura econômica mundial, e na confiança em uma política fiscal responsável, praticada pelo Ministério da Fazenda.

O desaquecimento da economia brasileira - na tendência do mundo - é comprovado nos números do PIB do segundo trimestre - expansão anualizada de 4,7%, com viés de baixa -, acompanhados por alguns sinais do mesmo teor já no mercado de trabalho, com o arrefecimento na geração de empregos em alguns setores. Trata-se de ajuda importante para cortar a velocidade da ascensão de preços.

As duas bases da ação do BC de cortes preventivos de juros não podem ser consideradas inamovíveis. O desaquecimento mundial tem efeito indiscutível em matérias-primas que afetam a inflação interna. A Vale, por exemplo, ganhou montanhas de divisas nos últimos anos com grandes remarcações nas tabelas de preço. Agora, admite cortar cotações em contratos entre 10% e 15%. Mas não se pode prever com exatidão como o importante acordo a que chegaram os europeus sobre o deságio da dívida da Grécia se refletirá na economia mundial. Para piorar é que não deverá ser. E se o sinal de que o PIB americano pode sair da letargia - cresceu, em base anualizada, 2,5% no trimestre de julho a setembro, contra 1,3% nos três meses anteriores - for confirmado no período de outubro a dezembro, a tempestade que sacode a economia mundial poderá mesmo não ser tão severa quanto alardeiam os radares do BC.

Mas a base mais movediça da estratégia do BC é a política fiscal. Para efeito dos gastos, 2011 já acabou - e não acabou mal. A meta de 3,1% do PIB, sem ajustes, parece garantida, como consta da ata da ultima reunião do Copom. O problema é o de sempre: a poupança com a finalidade de pagar a conta de juros - para evitar o descontrole da dívida - continua a ser feita por meio de corte nos investimentos públicos e aumento da arrecadação acima da inflação e do PIB. Leia-se, elevação da carga tributária. Enquanto isso, gastos de custeio e com pessoal avançam com rapidez. Mais do mesmo.

Há analistas que começam a ficar menos ansiosos por considerar que o BC ganhou alguma previsibilidade, essencial para o mercado. Mas a questão é saber se o banco mudará de comportamento na hora certa, caso os prognósticos apocalípticos se frustrem, por exemplo. Nesta última ata do Copom, o BC mandou o recado de que continua a valer a política de metas de inflação. Menos mal. Mudou, como está evidente, o horizonte de tempo na perseguição das metas. Outro recado: o banco considera a inflação nociva. Óbvio, mas necessário, diante das especulações sobre a firmeza nas convicções do BC de Dilma.

A ata também esclareceu, em boa hora, que será feita "pronta correção de eventuais desvios", caso os índices não convirjam para a "trajetória de metas". O ano que vem, de eleições, sinônimo de gastos públicos, e de 14% de reajuste do salário mínimo, testará de forma especial o BC e o Planalto.