Título: Aeroporto do Galeão em estado terminal
Autor:
Fonte: O Globo, 23/10/2011, Opinião, p. 6

A inviabilidade da manutenção da Infraero no controle dos maiores aeroportos do país é constatação antiga. O apagão aéreo ocorrido a partir de final de 2006, iniciado no movimento grevista de controladores de voo, depois do acidente com o Boeing da Gol, apenas deixou claro um quadro conhecido: com a aceleração da economia, o aumento da concorrência no setor, e a consequente entrada no mercado de novos usuários do transporte aéreo, uma estrutura já com deficiências seria bastante pressionada, mas sem a possibilidade de ser modernizada e expandida devido à comprovada ineficiência da estatal. O próprio Delfim Netto, cuja assinatura de então ministro da Fazenda, no governo Médici, permitiu a criação da empresa, já confessou o arrependimento. Os militares lhe disseram que a estatal teria cerca de 600 funcionários. Delfim acreditou. Há tempos ela sustenta vários milhares deles, parte transportada para a empresa por nomeações políticas.

Apesar da resistência ideológica de Brasília a que empresas privadas gerenciem terminais - usual em países desenvolvidos -, o risco de situações vexaminosas nos eventos esportivos de grande porte previstos para 2014 (Copa) e 2016 (Olimpíadas, no Rio) levou o governo Dilma a ceder na concessão de aeroportos. Mas o risco de problemas continua elevado, nas duas competições, como na Jornada Mundial da Juventude, marcada pelo Vaticano para 2013, também no Rio.

Apesar disso, o Galeão (Antonio Carlos Jobim) não entrou na relação dos primeiros aeroportos a serem licitados. Só depois de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e de Brasília, ocorrerá a oferta da concessão do Galeão, junto com o aeroporto de Confins, de Belo Horizonte. Mesmo que a situação esteja deplorável.

O GLOBO publicou reportagens sobre o quadro de abandono dos dois terminais do Galeão, com depoimentos taxativos de usuários. Chega-se de voos internacionais de dez ou mais horas de duração e fica-se bem mais de 10% deste tempo em pé, nas filas de passaporte, de espera de malas e na Alfândega. Elevadores não funcionam e esteiras para facilitar o trajeto entre os dois terminais nem sempre estão ligadas. Banheiros são repulsivos, faltam restaurantes, lanchonetes e bares abertos como requer qualquer aeroporto que faça jus ao nome: 24 horas, ao menos no caso de bares e lanchonetes. E depois de o viajante passar por esta sucessão de provas exasperantes, se não tiver carro no estacionamento - sinal de bom-senso, pois ele é também precário e muito caro -, correrá o risco de cair na malha das máfias de taxistas. Se optar pelo ônibus, também padecerá: os horários são incertos.

O presidente da Infraero, Antonio Gustavo do Vale, reconhece as deficiências do Galeão, mas garante que, nos próximos dois anos, os investimentos programados mudarão o cenário. Será? Pois a estatal, por ineficiência, é conhecida por sequer conseguir gastar os recursos que tem nos prazos necessários. Há outra ameaça, e não só sobre o Galeão: a ideia de, nas empresas privadas criadas para gerenciar os terminais licitados, a estatal ter garantidos 49% do controle. Cria-se um fator de desestímulo a investidores em potencial. Parece até que a ideia é esta mesma.