Título: Comunistas se complicam ao gerir o capital
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 30/10/2011, O País, p. 15

Por denúncias e suspeitas, ANP e UNE, controladas pelo PCdoB, foram processadas pelo Ministério Público

APARELHAMENTO: Quase um ano depois de receber indenização milionária, UNE não cumpriu a promessa de erguer sede em terreno doado pelo governo na Praia do Flamengo (acima e à esquerda). A Refinaria de Manguinhos (abaixo), dirigida por ex-militante do PCdoB, teve multas perdoadas pela ANP, controlada pelo partido desde o início do governo Lula e citada em inquérito sobre máfia do combustível

chico@oglobo.com.br

O estilo de gestão comunista rendeu embaraços judiciais à Associação Nacional do Petróleo (ANP) e à UNE, ambas controladas pelo PCdoB. Um suposto envolvimento de funcionários da ANP com a máfia dos combustíveis no Rio é um dos focos de um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). Já a UNE, embora não seja instituição pública, teve de enfrentar uma ação movida pelo Ministério Público Federal, que tentou anular a doação de um terreno da União à entidade.

Ao justificar a ação civil pública, o MPF alegou que a UNE nada fizera no terreno da Praia do Flamengo 132, no Rio, doado no governo Itamar Franco. Porém, diante do compromisso da UNE de erguer a nova sede no local, a Justiça optou por arquivar o caso em 2006. Hoje, quase um ano depois de receber R$30 milhões do governo Lula, a título de indenização, para tocar o projeto, a entidade continua sem cumprir o compromisso. O terreno permanece vazio.

Refinaria teria informações privilegiadas na ANP

Também fica no Rio a sede da ANP, que entrou na mira da Polícia Civil fluminense durante a Operação Álquila, em 2009. Dois de seus funcionários, que caíram nos grampos autorizados, foram acusados de fornecer informações privilegiadas à Refinaria de Manguinhos, que seria a base da máfia da sonegação e de fraudes nos combustíveis.

Desde que o engenheiro Haroldo Lima assumiu a Direção-Geral da ANP em 2003, a agência é vista como reduto do PCdoB. Entre fevereiro e março do ano passado, a ANP anulou quatro autos de infração aplicados pela fiscalização contra a Refinaria de Manguinhos (adulteração de combustível). As multas variavam entre R$40 mil e R$50 mil.

Na ocasião, havia gente do PCdoB nas duas pontas do problema. Além de Lima, o diretor Allan Kardec é primo de Flávio Dino, ex-deputado eleito pelo partido. O assessor da Presidência Edson Menezes da Silva, ex-superintendente de Abastecimento, pertencera ao diretório gaúcho do PCdoB. Do outro lado, o presidente do Conselho de Administração de Manguinhos, Carlos Filipe Rizzo, foi militante do PCdoB e já doou recursos para candidatos do partido.

Os autos de infração cancelados pela ANP se referiam a autuações dos fiscais por "responsabilidade solidária". A fiscalização encontrou irregularidades em produtos comercializados por revendedores (postos), cujas notas fiscais de origem pertenciam à Distribuidora Manguinhos.

Além do perdão, a ANP concedeu autorização, "em caráter excepcional", para a importação de nafta petroquímica, destinada à produção de gasolina pela refinaria, isenta do recolhimento da Cide, a contribuição sobre o comércio de combustíveis.

Allan Kardec também assinou, no ano passado, contrariando normas internas, autorização para que Manguinhos adquirisse junto à Petrobras cota extra de 2,7 mil metros cúbicos de gasolina A.

A refinaria virou alvo da Polícia depois que a Secretaria estadual de Fazenda concluiu que o esquema de Manguinhos causava ao Rio de Janeiro prejuízo anual de R$162 milhões com as fraudes.

Empresa que negocia com UNE doou para PCdoB

A relação da UNE com o PCdoB é também polêmica. Um dos indícios do aparelhamento político da entidade foi uma doação de mais de R$600 mil do Studant Travel Bureau ao PCdoB em 2007. A empresa, especializada em turismo para jovens, mantém acordo para fornecer à UNE a Carteira Mundial do Estudante, que oferece descontos em cinemas, teatros e shows.

A doação ajudou o PCdoB a comprar a sede própria em São Paulo. Mas o movimento estudantil não teve a mesma sorte. Até hoje, o projeto da UNE de construção de uma sede própria no Rio não saiu do papel, apesar de ter o seu caixa engordado com uma indenização de R$30 milhões extraída do Orçamento da União no fim do governo Lula (o valor total do repasse é de R$44 milhões, mas parte desse dinheiro ainda não saiu).

A rigor, não dá nem para dizer que existe um papel. Oscar Niemeyer doou um esboço do projeto, um prédio de 13 andares, mas a UNE alega que ainda negocia com escritórios de arquitetura, cujo nome não forneceu, um projeto de execução da obra. Enquanto isso, diz que o dinheiro está depositado "em conta específica" de instituição bancária.

Outro ponto delicado do projeto é a destinação da futura sede. Embora a ideia seja fazer um centro cultural, um teatro e o museu da memória do movimento estudantil, além da administração, os dirigentes pretendem alugar andares para uso comercial.

O terreno, onde funcionou a UNE da Era Vargas até o Golpe Militar de 1964, quando foi destruída, fica num ponto privilegiado da cidade, com vista para a Baía de Guanabara.