Título: 13º injeta R$ 81 bi no mercado
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 30/08/2009, Economia, p. 20

Aumento da massa salarial, pagamento da primeira parcela e demanda por crédito para antecipação reforçam essa estimativa

O mercado brasileiro deve receber uma injeção de ânimo de R$ 81,1 bilhões até o fim do ano. Mesmo em meio à crise, o volume de recursos do 13º salário deve superar em até 4% o registrado em 2008, prevê a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Serão R$ 3,1 bilhões a mais que no ano passado. Com dinheiro no bolso, o consumidor deve optar por comprar mais em vez de quitar débitos, avaliam especialistas. Sem medo de perder o emprego, o brasileiro tem trocado empréstimos pessoais e outros financiamentos mais caros pela antecipação do 13º. Somente o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal esperam superar em mais de 50% o volume de crédito nessas operações em 2009.

Os sinais de recuperação da economia deixaram o brasileiro mais confortável para buscar crédito. O empréstimo por antecipação de 13º salário registrou alta na demanda e somente o Banco do Brasil contratou R$ 266 milhões dessa modalidade de financiamento no primeiro semestre ¿ valor 59,5% superior ao de igual período em 2008. A Caixa Econômica Federal (CEF) também obteve incremento de 60% no semestre, quando fez R$ 7 milhões em contratos de antecipação. Levantamento feito pelo Correio mostra que entre quatro segmentos de crédito, a antecipação do 13º tem as taxas mais baratas.

O banco que figura como o de menor custo para essa modalidade de crédito é o HSBC (2,08% ao mês), seguido pela CEF (2,11%) e pelo Banco do Brasil (2,59%) (veja quadro ao lado). O custo dessa modalidade de crédito em seis instituições financeiras é mais barato do que o do cartão de crédito, cheque especial e empréstimo pessoal. No caso do cartão de crédito, os valores foram os mais elevados. As taxas podem chegar até a 600% ao ano.

Alerta

Segundo especialistas, o consumidor não pode esquecer que esse tipo de linha de crédito é um empréstimo e que compromete a renda e o poder de compra. Na maioria dos casos, as linhas de antecipação são procuradas para quitar dívidas mais caras. ¿É a portabilidade do crédito. O cliente pega a antecipação, que tem juros menores, e paga um emprésimo com taxas bem mais altas¿, explica a economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). ¿Mas tem de ter cuidado. É preciso analisar se o banco não cobra nenhuma tarifa e quais encargos incidem sobre a operação¿, alerta.

Nesse tipo de contrato, o banco só pode cobrar a taxa de juros e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) ¿ um tributo de 0,082% sobre cada operação. ¿A dica é ir ao banco e simular o contrato. Daí, o consumidor tem de avaliar se vale a pena ou não trocar de dívida¿, recomenda Ione. Para o orientador de finanças pessoais Reinaldo Domingos, essa opção tem de ser feita com cuidado e somente se for parte de um planejamento para resolver a vida financeira. ¿Precisa haver um motivo forte. Pagar juros não é um bom negócio¿, diz o educador.

O problema, de acordo com Domingos, é que a maioria das dívidas que serão pagas são, geralmente, oriundas da compra de itens supérfluos. Após o débito estar quitado, o consumidor normalmente faz mais dívidas com bens semiduráveis e não duráveis, como roupas, calçados acessórios e alimentos. ¿Os empréstimos são feitos porque os recursos são mal adminsitrados. Os gastos estão fora do padrão de vida. Raramente financiamentos são feitos por algo de necessidade básica¿, salienta.

A orientação do pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz é não antecipar o 13º pelos bancos quando possível. Quando receber o benefício, poupar uma parte, pagar dívidas e deixar um pouco para o lazer. ¿Acredito que falte um pouco ao brasileiro a cultura de controlar o orçamento. É preciso saber para onde foi cada centavo do salário¿, recomenda o pesquisador.

Dinheiro extra para compras

Reforço no orçamento fará roda do consumo girar. Quitar dívidas não é prioridade

Victor Martins Daniel Gonçalves Especial para o Correio José Varella/CB/D.A Press Amadeu (e) e João usarão o benefício para consertar carro e reformar casa

Os R$ 3,1 bilhões que ampliarão o bolo do 13º salário virão da recuperação da economia, do aumento do salário mínimo e de reajustes obtidos por trabalhadores em negociações salariais. E a tendência é que sejam destinados às compras.

Na avaliação da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o volume do salário extra atingirá R$ 81,1 bilhões. ¿A estimativa é que haja uma alta levemente superior à de 2008, chegando a 4%¿, contabiliza o presidente da CNDL, Roque Pellizzaro.

Analistas de mercado consultados pelo Correio confirmam que, mesmo em meio à turbulência econômica, a massa de salário extra deste fim de ano será maior. A aposta está na leve recuperação da renda que começa a se evidenciar. Em 2008, o volume de salários pagos aumentou 7,8%. Para 2009, a expansão se mantém, mas não alcança os níveis pré-crise.

O economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Marcelo de Ávila aponta que a recuperação dos indicadores de emprego e renda são os principais indutores para um volume maior de 13º este ano. Ele explica que o desempenho dos índices incide diretamente no volume dos benefícios. Se a performance dos indicadores melhora, é maior a quantidade de dinheiro na economia oriundo do salário extra e o ímpeto de consumo é mais forte. ¿Foram oito meses de desacelaração, mas ainda registramos crescimento. A massa salarial ficou 2,8% maior em junho em comparação a maio. O emprego também sentiu o impacto da crise, mas continuamos a gerar postos de trabalho¿, afirma.

Avaliação semelhante faz o economista do Banco Espírito Santo (BES), Flávio Serrano, que analisa que o ajuste no mercado de trabalho a partir de dezembro não gerou grande impacto na massa salarial em circulação. ¿Houve um ajuste forte em dezembro, seguido de estabilização e, agora, já temos uma recuperação do nível de ocupados. Isso, somado ao rendimento médio em expansão, nos faz esperar um saldo positivo para o 13º¿, relata.

Pendências

A expectativa do empresariado com o benefício é de ampliação do consumo e, em menor escala, quitação de dívidas. Tradicionalmente, o brasileiro deixa as pendências e necessidades básicas em segundo plano, avaliam especialistas. Esse é o caso de Amadeu Lima da Silva, 68 anos, aposentado e que deve receber a primeira parcela em setembro.

Apesar de uma dor no joelho e da recomendação médica para tomar um remédio que custa R$ 140, o aposentado está decidido a consertar o carro, um Ford Escort 1984. ¿O carro precisa de um conserto urgente porque sempre preciso vir a Brasília¿, completa Lima, que mora em Santo Antônio do Descoberto, cidade do Entorno do Distrito Federal.

Para a CNDL e a Serasa Experian, Amadeu é a regra. ¿Não é com o 13º que as pessoas limpam o nome. O grosso vai para o consumo¿, ressalta o gerente de indicadores de mercado da Serasa, Luiz Rabi. ¿Historicamente, a primeria parcela é para pagar dívida. A segunda fica toda para o consumo¿, explica Roque Pellizzaro.

O trabalhador rural aposentado João de Paula Pereira, 70, também vai destinar a renda extra à compra de material de construção. Ele pretende fazer uma pequena reforma na casa em que mora. ¿É tão pouco que não dá para muita coisa. Mesmo assim, quero fazer uns reparos¿, afirmou. Segundo ele, se houver sobra de dinheiro, será destinada à lista de supermercado.

Não é com o 13º que as pessoas limpam o nome. O grosso vai para o consumo¿