Título: Há coisas que não podem ser enterradas
Autor: Figueiredo, Janaína; Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 28/10/2011, O Mundo, p. 34

LILIAN CELIBERTI: "Brasil está atrás, mas Comissão da Verdade é o primeiro passo"

Como a senhora viu a decisão da Câmara uruguaia?

LILIAN CELIBERTI: Agora será possível processar os autores dos crimes e estudar os casos. Havia um problema de opiniões distintas sobre a avaliação jurídico-institucional. A lei estabelece que esses crimes não prescrevem. A análise caso a caso depende da Justiça, mas há menções na lei a casos como tortura e desaparecimento, que são tratados como crimes de lesa-Humanidade. Sem a prescrição em 1º de novembro, podem ser investigados.

Pretende processar os militares?

CELIBERTI: Apresentamos uma solicitação ao tribunal para reabrir o caso há cerca de três meses. O Poder Executivo indicou causas que não poderiam fazer parte da Lei de Caducidade. Entre elas, as ações cometidas fora do território. Fomos sequestrados em Porto Alegre, outros na Argentina.

No Brasil, a Comissão da Verdade não vai punir, mas investigar...

CELIBERTI: A Comissão é o primeiro passo para que se conheçam delitos que foram silenciados por décadas.

Mas aqui não haverá poder punitivo. Sob essa ótica, o Brasil não fica atrás dos países vizinhos?

CELIBERTI: Sim, na realidade o Brasil está atrás. O democrático é analisar o papel das Forças Armadas para que esses crimes não se repitam. O Brasil não vai julgar ninguém, mas há coisas na memória que não podem ser enterradas facilmente. E uma vez que se passa a conhecer o que ocorreu, o país pode sofrer forte pressão. Durante muitos anos no Uruguai não se cogitava investigar esses delitos, e hoje já temos alguns militares presos. Hoje se cria uma Comissão da Verdade; amanhã, talvez a força dos fatos determine a necessidade de condenação.

Como foi encontrar no Brasil um acusado de participar do sequestro?

CELIBERTI: Depois de tantos anos foi estranho. Com toda a minha experiência e tudo que passei para lidar com isso, senti uma grande indignação.

Pensa em voltar ao Brasil?

CELIBERTI: Tenho muitos amigos aí e uma recordação maravilhosa das pessoas que encontrei. (Com voz embargada) É emocionante encontrar pessoas que lutaram por minha liberdade. Tenho uma enorme gratidão, foi um momento muito importante. Devo a elas a minha vida. (Janaina Lage)