Título: Pode haver ainda surtos de contágio
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 28/10/2011, Economia, p. 28

Prêmio Nobel de Economia diz que desafio agora é implementar o acordo

Michael Spence, prêmio Nobel de Economia de 2001, diz que o acordo para salvar a zona do euro é uma ótima noticia. Mas alerta: o risco de colapso do euro e de um contágio no mundo emergente não acabou. "Agora, o desafio é implementar o acordo", disse em entrevista ao GLOBO, em Paris. Ele acredita que a Europa precisa criar rapidamente uma "autoridade central" com poder para agir. Quanto ao Brasil, Spence é só elogios: "O país esta indo bem!".

Os bancos europeus concordaram com uma redução de 50% da dívida grega. O risco de colapso do euro acabou?

MICHAEL SPENCE: Não acabou, mas se reduziu substancialmente. Agora, o desafio é fazer, é implementar. A recapitalização dos bancos é complexa, e envolve capital privado, do governo e regional, com o Fundo de Estabilidade Europeu por trás.

Se isso for resolvido, o que falta fazer?

SPENCE: Itália e Espanha têm que fazer várias reformas para ter o apoio da União Europeia, especialmente do Banco Central Europeu. Esses países não podem estabilizar sua condição fiscal imediatamente. Pode haver ainda surtos de contágio, levando ao aumento das taxas de risco, e precisarão do BCE para comprar sua dívida soberana e fazer as taxas diminuirem.

O que eles não devem fazer?

SPENCE: O que não devem fazer agora é não fazer nada. Seria o pior. Tanto os mercados ou o BCE vão ficar nervosos. Os programas de reforma têm que ser críveis. A Itália foi bem no controle do déficit, mas não tem um programa crível de reforma orientado para o crescimento.

O contágio para outros países do euro não está excluído?

SPENCE: Ainda não. Mas se programas de reformas forem lançados, e o BCE for entusiasta em relação a eles, o risco cai.

A crise mostrou que a Europa não consegue falar com uma só voz e só reage em caso de urgência.

SPENCE: A introdução do euro foi um passo perigoso. Funcionou por um tempo, porque as taxas de juros eram estáveis e baixas. Infelizmente, isso levou países a buscarem o crescimento através do endividamento dos governos. Não foi uma boa ideia. Não vejo problema com um bloco formado por estados culturalmente diversos. Mas estes Estados têm que ser unificados na área fiscal, com uma autoridade para taxação, outra para emissão de bônus, e têm que ter uma autoridade central, eleita, com capacidade para agir. O que não pode continuar é, cada vez que há uma crise, juntar 17 países para se chegar a um consenso.

O Brasil teme um contágio da crise no mundo emergente. Esse risco existe?

SPENCE: Claro. Os canais de transmissão são claros: se a Europa tiver uma crise financeira que provoque uma recessão na economia real, vai puxar a economia americana para baixo, porque somos grandes parceiros comerciais. E com queda nos principais países avançados, isso vai, pelo menos, provocar uma desaceleração nos emergentes. Não sairão destruídos com isso, mas têm muito em risco.

O senhor está otimista?

SPENCE:Mais do que ontem. O acordo é um grande passo. Antes, se tivesse me perguntado quais as chances de uma recessão nos países avançados provocar uma grande desaceleração na economia global, eu responderia: 50%. Agora, a probabilidade caiu para 15%. Mas se algo sair errado na implementação (do acordo) ou no mercado imobiliário americano, e os consumidores pararem de consumir... Enfim, as coisas podem dar errado.

Como o senhor avalia a economia brasileira?

SPENCE: O Brasil está indo bem. A atual confusão sobre desaceleração no crescimento está doendo um pouco. Mas, em geral, o Brasil está bem governado em termos macroeconômicos, construiu vários programas para trazer ex-excluídos para a economia moderna, através de educação e distribuição de renda. Tudo está na direção certa.

A inflação preocupa.

SPENCE: É um problema, mas o Brasil é mais agressivo (no combate) que outros países. Não acho que a inflação vá se descontrolar, até porque vocês tiveram uma experiência muito ruim no passado? Às vezes o Brasil é até agressivo demais no combate.