Título: Itália aposta suas fichas em Monti
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Fonte: O Globo, 14/11/2011, Economia, p. 23

Economista é confirmado novo premier e promete responsabilidade para "curar finanças"

ROMA e BRUXELAS

AItália acorda hoje com um novo primeiro-ministro. Saiu de cena o maior protagonista da vida política da Itália nos últimos 17 anos, entrou um tecnocrata querido dos mercados e com trânsito internacional. Com a renúncia de Silvio Berlusconi no sábado, o presidente italiano, Giorgio Napolitano, entregou ontem ao economista Mario Monti, de 68 anos, a tarefa de tirar a Itália do centro da crise da zona do euro. O nome de Monti já era apontado como provável líder de um novo governo desde a semana passada. Após ser nomeado, Monti disse que assumirá o desafio com "grande senso de responsabilidade e dever com a nação". E ressaltou que a Itália deve "curar suas finanças" e retomar o crescimento. Terceira maior economia da zona do euro, o país tem uma dívida de 1,9 trilhão - ou 120% do seu PIB - e é grande demais para obter socorro financeiro do bloco econômico.

Apenas poucas horas após o centro de Roma celebrar a saída de Berlusconi, Napolitano começou a articular, numa série de reuniões com partidos políticos em seu palácio, apoio para o novo primeiro-ministro. Respeitável economista e com fama de negociar duro, Monti já tem respaldo dos principais grupos da oposição e a aceitação condicional do Povo da Liberdade (PDL), partido de Berlusconi, de centro-direita - que, para apoiá-lo, quer indicar nomes do novo gabinete e interferir no programa do governo.

Ingerências à parte, espera-se que Monti escolha um gabinete relativamente pequeno, formado por especialistas e tecnocratas para tirar a Itália da crise. Monti deve anunciar hoje ainda os nomes de mais de 10 ministros. O novo premier vai continuar as reformas acordadas por Berlusconi com os líderes da zona do euro para reduzir a dívida pública italiana e reativar a economia. Entre os principais desafios do novo primeiro-ministro, estão: flexibilizar a rígida legislação trabalhista, que prejudica o ambiente de negócios; combater a imensa sonegação fiscal perpetuada no país e aliviar o peso do sistema de aposentadorias no setor privado.

BC alemão refuta ação maior do BCE

O governo tecnocrata de Monti tem cerca de 18 meses para aprovar dolorosas reformas econômicas e as medidas de austeridade urgentes, mas precisará garantir o apoio da maioria do Parlamento. Analistas acreditam que ele enfrentará forte oposição pública e política a algumas das duras medidas de austeridade que terá que implementar. E, por isso, já há quem aposte que seu governo não deve conseguir durar todo o mandato. O demissionário ministro do Interior, Roberto Maroni, uma figura proeminente da Liga Norte, partido de extrema-direita que participava da coalizão do PDL de Berlusconi, disse ontem que o partido se opunha ao governo tecnocrático liderado por Monti:

- As decisões de Monti terão que passar pelo Parlamento e acho que com uma maioria tão heterogênea os problemas serão diversos.

Após semanas de incerteza política e apelos crescentes de parceiros internacionais por medidas para controlar sua dívida, os mercados financeiros passaram a cobrar juros altíssimos para financiar os títulos públicos italianos na semana passada, ameaçando forçar o país a uma moratória, o que levaria a um colapso financeiro de toda a zona do euro. Mas, no fim da semana, os mercados se acalmaram, já que ficou claro que Berlusconi renunciaria e que Monti provavelmente tomaria seu lugar.

Ontem, o ex-premier Berlusconi disse que o Banco Central Europeu (BCE) deveria se tornar o emprestador de última instância na região, para dar suporte ao euro, medida que vem sendo defendida por alguns políticos europeus e analistas do mercado:

- Isso se tornou uma crise da nossa moeda comum, que não tem o suporte que toda moeda deveria ter. Ou seja: um banco que seja emprestador, como outras moedas têm, como o dólar ou a libra. É isso que o BCE deveria fazer se quiser salvar o euro e a Europa.

Mas, em entrevista ao jornal "Financial Times" publicada ontem, o presidente do Bundesbank (o banco central da Alemanha), Jens Weidman, disse que é contra uma intervenção mais ampla do BCE no combate à crise na zona euro, alertando que essa ação poderia adicionar mais instabilidade ao continente e ainda violar a legislação. Weidman defendeu que só os políticos podem resolver a crise na zona euro.

Os presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu - José Manuel Durão Barroso e Herman Van Rompuey, respectivamente - disseram, em comunicado, que a mudança no governo italiano traz um sinal de determinação do país para superar a crise. Por sua vez, o presidente americano Barack Obama avaliou a renúncia de Berlusconi como uma "evolução positiva" da crise europeia, mas advertiu que, enquanto se aguarda a resolução das incertezas na zona do euro, não haverá um crescimento maciço em nenhuma economia do mundo.

A saída de Berlusconi acontece dias após o então premier grego, George Papandreou, renunciar e ser substituído por Lucas Papademos, também com perfil mais técnico. Numa Europa instável, a próxima vítima pode ser José Luiz Rodríguez Zapatero, no poder há sete anos na Espanha, que deve ser derrotado nas eleições do próximo dia 20. Pesquisas apontam que o presidente francês Nicolas Sarkozy também deve perder as próximas eleições de seu país, no ano que vem.

Ao sair, Berlusconi diz que "continuará na política"

Ex-premier mantém imunidade parlamentar

A renúncia de Silvio Berlusconi - ao som de vaias e zombarias - não marcou o fim da vida política do Cavaliere. Em mensagens transmitidas pela TV, Berlusconi afirmou ontem que renunciou por "sentido de Estado e de responsabilidade" com a Itália, e anunciou ainda que continuará na política e que dobrará seus esforços no Parlamento e nas instituições para renovar o país. Analistas já interpretam suas declarações como um sinal de que o ex-premier tentará voltar à liderança do país no futuro. Afinal, desde 1994, Berlusconi esteve à frente do governo italiano em três diferentes mandatos.

A influência de Berlusconi já fica explícita no atual momento de transição de governo. Seu partido, o PDL, condicionou seu apoio a Mario Monti a indicações ministeriais e interferências no programa político do novo governo - que deve se basear nas reformas prometidas para a Europa por Berlusconi.

- Deixamos clara nossa disponibilidade, e consentimos em dar o mandato ao professor Monti - disse o secretário do PDL, Angelino Alfano, após encontro com Napolitano, acrescentando que o acordo é condicionado à composição e também ao programa político a ser anunciado pelo novo governo. - Nossa preferência é de que tecnocratas se juntem ao governo.

Alfano adicionou uma outro condicionante: o governo Monti não pode ficar mais tempo do que o período necessário para implementar as reformas econômicas. Berlusconi e aliados deixaram bem claro que querem eleições logo - e não, como agendado, para a primavera de 2013.

A saída de Berlusconi do governo não lhe custou sua imunidade parlamentar, o que o deixa numa situação confortável, já que há vários processos contra ele na Justiça. Berlusconi está sendo investigado pela Justiça de Milão por incitação à prostituição de menores no caso Ruby R. - o político é acusado de ter mantido relações sexuais com a moça quando ela ainda era menor de idade.

Mas, apesar de todos os escândalos em que esteve envolvido, Berlusconi acabou derrotado pelos mercados financeiros e se viu forçado a renunciar diante do agravamento da crise econômica no país.

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LUIZ CARLOS PRADO

"Sua força é também sua fraqueza"

Se o perfil técnico e o prestígio internacional de Mario Monti são seu ponto forte, são também sua maior fraqueza, já que o novo premier não tem apoio garantido dentro dos partidos, avalia Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Vinicius Neder

O novo premier da Itália, Mario Monti, terá apoio político suficiente para tirar o país da crise?

LUIZ CARLOS PRADO: Monti é um economista de prestígio na Itália e na Europa, muito bem formado e com experiência burocrática. Não é um político de carreira, mas é um gestor público experiente, respeitado por todas as correntes e visto como alguém que pode ser apoiado por todos os partidos. Por outro lado, sua força é também sua fraqueza, pois Monti não tem apoio garantido dentro dos partidos.

O novo premier italiano será bem recebido pelos mercados?

PRADO: Os mercados têm comportamento errático, mas Monti é uma sinalização positiva dentro das possibilidades da Itália e representa uma mudança radical em relação ao governo anterior. O novo premier tem uma imagem positiva e é uma figura internacional, não apenas da Itália, mas da Comissão Europeia. Além disso, Monti tem compromisso com a unificação da Europa e o perfil técnico e conservador é bem visto pelo establishment. O problema é se ele conseguirá implementar sua agenda de reformas. Se essa expectativa se frustrar por causa da política italiana, os mercados podem reagir.

Os novos governos na Itália e na Grécia podem superar a crise?

PRADO: O problema transcende os países, é um problema europeu, relacionado a uma união monetária que carece de unificação fiscal e que se demonstrou frágil para lidar com crises mais graves. Mesmo havendo melhora na percepção da situação, a crise pode se arrastar por anos. Mas na Itália o problema é mais político do que econômico. As economias da Itália e da Grécia são muito diferentes. A indústria italiana é diversificada e o país não depende da exportação de vinho e azeite e do turismo, como a Grécia. Monti tem mais chances de êxito porque, dependendo das medidas, a economia pode crescer. No caso da Grécia, o cenário não é de curto prazo, pois as medidas de austeridade podem aprofundar a recessão.