Título: Tratamento faccioso
Autor:
Fonte: O Globo, 14/11/2011, Opinião, p. 6

Aquestão da concessão/privatização dos aeroportos de Campinas e Guarulhos, em São Paulo, e Brasília, no Distrito Federal, foi tratada de maneira facciosa pela grande mídia, que partiu do princípio de que uma administração privada é mais eficiente do que a pública. Se assim fosse não veríamos tampas de bueiros voando nas ruas e avenidas do Rio de Janeiro - cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016 -, panes nos serviços de internet e muito menos apagões no fornecimento de energia elétrica.

Infelizmente, essa postura escondeu do grande público que 85% dos aeroportos em todo o mundo são públicos, inclusive nos Estados Unidos da América, principalmente após os atentados de 11 de Setembro. Lá, os terminais aeroportuários são encarados como portas de entrada e saída do país, e aqui no Brasil como um grande negócio a ser explorado por quem tem "competência".

Em nenhum momento os trabalhadores - representados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina) - foram contra a parceria com o setor privado. O que foi e vem sendo questionado na mesa de diálogo com a Presidência da República, através das secretarias Geral e de Aviação Civil, é o formato da concessão/privatização decidida pelo governo federal.

Os trabalhadores aeroportuários entendem que as atividades-fim - operações, segurança aeroportuária, carga aérea, manutenção especializada e navegação aérea - dos três aeroportos em processo de concessão devem permanecer sob a responsabilidade da Infraero. E não faltam argumentos para essa defesa.

Na história da aviação, 98% dos acidentes aéreos ocorreram nos processos de pouso e decolagem e apenas 2% em cruzeiro. Significa dizer que os aeroportos são a parte mais sensível, e que a operação dos terminais não pode ser entregue a quem não tem experiência, através de terceirização e até quarteirização da atividade.

Para se ter uma ideia, os três terminais realizaram juntos, só nos primeiros nove meses de 2011, 39.350.394 embarques/desembarques de passageiros.

E a Infraero, com 38 anos de experiência, é reconhecida internacionalmente pela sua competência na operação da infraestrutura aeroportuária. Além de ser a guardiã da soberania nacional. Afinal, pelos aeroportos, além de passageiros, trafegam cargas de alto valor agregado, infectocontagiosas, vivas, explosivas, radiativas, numerário da Casa da Moeda, além de condenados pela Justiça do Brasil e de outros países.

É evidente que é preciso tomar providências em relação aos nossos aeroportos. A ascensão social promovida pelo governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva levou as classes C e D a trocar as cansativas viagens de ônibus pelos rápidos voos da aviação civil. E atualmente acredita-se que mais de 50% dos bilhetes aéreos são adquiridos por passageiros dessas classes sociais.

Mas as providências necessárias nos nossos aeroportos não podem negligenciar a segurança de milhões de vidas humanas, e muito menos fazer as classes C e D voltarem às estações rodoviárias, com aumentos extorsivos das taxas aeroportuárias.

FRANCISCO LEMOS é presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina).