Título: Esconde-esconde
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2009, Política, p. 4

Os congressistas amigos do governo já foram avisados de que os números do orçamento de 2010, a serem divulgados hoje, estão para ¿lá de apertados¿. Ou seja, não é notícia boa para ser divulgada cedinho e ficar um dia inteiro repicando nos sites, nos blogs, nos noticiários de TV

O fato de o governo ter escolhido o dia de hoje, 31 de agosto, para anunciar o marco regulatório para exploração de petróleo na camada pré-sal não foi obra do acaso, nem mesmo geração espontânea. A data foi cuidadosamente definida para coincidir com o dia em que o Congresso Nacional recebe das mãos do Poder Executivo a proposta Orçamentária para 2010 ¿ o ano eleitoral de orçamento apertado e que pode ainda sofrer reflexos da crise da Receita Federal e de acordos para redução de impostos e concessão de benefícios nas mais diversas áreas.

Todos os anos o tema Orçamento ocupa muito espaço do noticiário. Desta vez, será diferente. Os canhões de luz sobre o Planejamento serão redirecionados nesta segunda-feira para o lançamento do marco regulatório do pré-sal. O governo considera o tema pra lá de positivo, capaz de levantar o astral do brasileiro médio, aquele sujeito ávido por ver o Brasil ¿bombar¿. Até mesmo na questão dos royalties, o governo avalia que sua posição é a mais positiva e que o Congresso, especialmente, o Senado, não deixará de distribuir os recursos entre todas as unidades da federação.

De quebra, nesse assunto o presidente Lula pode fazer valer a ideia de ¿Brasil Potência¿, um dos motes que já escolheu para a campanha de 2010 da sua candidata Dilma Rousseff ¿ ela reapareceu ontem, depois de uns dias de recolhimento (justamente na época da crise da Receita Federal). Volta à cena como a ¿mãe do marco do pré-sal¿, como dizem os próprios petistas em conversas reservadas.

Dilma não irá ao Congresso levar o Orçamento de 2010. Pelo menos, até ontem, quando esta coluna foi escrita, estava previsto que esta tarefa ficaria a cargo do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, às 17h, depois do lançamento do marco regulatório do pré-sal.

O orçamento do ano eleitoral ficará à meia-luz de caso pensado para não deixar à mostra suas imperfeições, como, por exemplo, a falta de recursos par tocar todos os projetos, como já ocorre este ano. No Orçamento de 2009, o Poder Executivo enrolou o que deu para liberar as emendas dos parlamentares. Terminou negociando o desembolso em suaves prestações para evitar um jejum de votações no plenário da Câmara. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ficou no mesmo caso. Não houve meios de executar a programação, que continua em atraso em algumas áreas.

Para 2010 será ainda pior. O acordo que o governo fechou com os aposentados na quinta-feira para o reajuste real dos benefícios obrigou os técnicos do Planejamento a refazer os cálculos dos grandes números. Os especialistas passaram o fim de semana trabalhando para tapar o buraco de, pelo menos, R$ 2 bilhões nas contas. Mas, antes mesmo desse ajuste, os congressistas amigos do governo já foram avisados de que os números do orçamento de 2010, a serem divulgados hoje, estão para ¿lá de apertados¿, ou seja, não é notícia boa para ser divulgada cedinho e ficar um dia inteiro repicando nos sites, nos blogs, nos noticiários de TV.

O que o governo quer hoje é divulgar o pré-sal e colar essa riqueza na candidata Dilma Rousseff. É a máxima que ficou conhecida em 1994, quando o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, brincou antes de começar um programa de TV, ¿o que é bom a gente divulga, o que é ruim, a gente esconde¿. Na época, a frase dita em plena campanha presidencial ¿ a primeira de Fernando Henrique Cardoso ¿ e, ainda mais, por uma pessoa da maior seriedade e competência técnica, custou a Ricupero o cargo de ministro do governo Itamar Franco. Mas, pelo visto, essa estratégia continua em alta. Só que ninguém revela de público. Fica aí nas entrelinhas.