Título: O mundo se volta para a Itália
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Fonte: O Globo, 08/11/2011, Economia, p. 21

Custo de captação do governo atinge recorde e crescem rumores de renúncia de Berlusconi. Crise grega se arrasta

Enquanto o mundo espera a definição do novo governo grego, que deve ser anunciado hoje, o fantasma de um efeito dominó assombra a zona do euro. O contágio pode acabar derrubando a terceira maior economia europeia, a Itália, elevando os riscos de uma nova recessão global. O custo de captação do governo italiano alcançou o maior patamar desde a criação do euro, o que é considerado perigoso. O retorno dos títulos com vencimento em dez anos avançou 0,3 ponto percentual, para 6,67% - os papéis de Portugal, Irlanda e Grécia estavam em torno de 7% pouco antes de pedirem socorro à União Europeia. Cresceram os rumores sobre a renúncia do premier Silvio Berlusconi, negados em sua página no Facebook: "Os rumores de minha renúncia são infundados". Além disso, Portugal será submetido a mais um escrutínio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a França busca se blindar com um pacote de 18 bilhões em cortes orçamentários até 2013. Hoje o governo Berlusconi enfrenta votação crucial no Parlamento, quando tentará aprovar as contas de 2010, rejeitadas no mês passado.

ROMA e BRUXELAS. As apostas sobre uma mudança no governo italiano aumentaram depois de o jornal "Il Foglio" afirmar em seu site que a renúncia do premier Silvio Berlusconi era "questão de horas". "A via de saída existe. Em vez de prolongar a agonia, Berlusconi se apresenta ao Parlamento, pede um voto de confiança para aprovar os orçamentos (que contêm as primeiras reformas exigidas por Bruxelas), anuncia que renunciará um minuto depois e pede eleições em janeiro. Isto está em discussão", afirmou o editor do jornal, Giuliano Ferrara, que já foi porta-voz do primeiro-ministro. Mas este, além de negar pelo Facebook que deixaria o cargo, disse ao jornal "Libero" - favorável ao governo - que, depois de obter a aprovação das contas, convocaria um voto de confiança na Câmara. "Quero ver a cara de quem tentar me trair", disse ele ao jornal. Mas ainda não há data para esse voto de confiança.

A votação de hoje é importante porque mostrará se Berlusconi ainda controla a maioria dos 630 lugares da Câmara. Desde a semana passada, três parlamentares saíram do partido de Berlusconi, o Povo da Liberdade, e mais de uma dezena estaria pronta para fazer o mesmo, afirmou ontem o jornal "La Repubblica". Até o ministro de Finanças, Giulio Tremonti, afirmou, durante a reunião de cúpula do G-20, semana passada, que o maior problema da Itália era o próprio Cavalieri.

Derrota pode tornar situação insustentável

O ministro do Interior, Roberto Maroni, membro sênior e aliado de Berlusconi na coalizão Liga do Norte, disse que "as últimas notícias me levam a pensar que a maioria já não existe e que é inútil (para Berlusconi) ser obstinado". A Liga também diz que eleições antecipadas são o único caminho se o governo cair - e uma derrota hoje pode tornar a situação do premier insustentável.

O temor da renúncia levou o retorno sobre o título italiano de dez anos, que vence em setembro de 2021, atingir 6,67% ao ano, o maior nível desde a criação do euro e próximo ao patamar que levou Irlanda, Portugal e Grécia a jogarem a toalha e pedirem ajuda financeira. Quanto maior o retorno, pior para o país. Ainda assim, está bem distante do papel grego, cujo retorno avançou ontem a 28% ao ano. Já a diferença do título italiano para o bônus alemão, referência do mercado europeu, atingiu 491 pontos centesimais. O retorno do título alemão de dez anos está em 1,80%.

- Berlusconi ainda mantém seu cargo, mas há algum tempo ele não tem poder - disse à agência Bloomberg News Nicholas Spiro, diretor-gerente da consultoria Spiro Sovereign Strategy, em Londres.

James Walston, professor de ciência política da Universidade Americana de Roam, acredita que Berlusconi não deve durar mais muito tempo, ainda que as eleições só estejam previstas para 2013.

- Ele poderia sair amanhã. Ele poderia sair na semana que vem. O tipo de pressão que ele está sofrendo, de seus próprios aliados, fará com que isso aconteça mais cedo do que se espera - disse Walston à agência de notícias AP.

Comissão Europeia vai a Roma

Na Itália, é comum convocar um voto de confiança para disciplinar parlamentares rebeldes ou acelerar a aprovação de algumas leis. Segundo a Bloomberg, Berlusconi recorreu a esse mecanismo mais de 50 vezes desde que foi eleito, em 2008. Ele enfrentou esse teste uma vez, em dezembro do ano passado, e saiu vencedor.

O premier tem sido pressionado por seus próprios pares da União Europeia (UE) a reduzir a dívida pública, hoje em torno de 1,9 trilhão e próxima de 120% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos em um país). Ele, inclusive, aceitou ser monitorado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) na semana passada. O comissário europeu de Assuntos Econômicos, Olli Rehn, pediu ontem que a Itália adote a estratégia de "jogar na defensiva" em sua consolidação fiscal para garantir a redução do déficit orçamentário e da dívida.

Antes de começar a reunião do Eurogrupo (que reúne os ministros de Finanças da zona do euro), Rehn disse ainda esperar que a Itália responda, até o fim desta semana, ao extenso questionário enviado ao governo, para avaliar a implementação das reformas econômicas e fiscais:

- Uma equipe da Comissão (Europeia) estará em Roma esta semana. É essencial agora que o governo cumpra suas metas fiscais.