Título: A volta da epidemia anunciada de dengue
Autor:
Fonte: O Globo, 06/11/2011, Opinião, p. 6

Tão silenciosamente quanto o mosquito que a provoca, a dengue vem acumulando uma preocupante estatística no Rio de Janeiro. Somente este ano, a Secretaria estadual de Saúde contabiliza pouco mais de 162 mil registros de infecções pelo vírus da doença. Em dez meses, o Aedes aegypti provocou a morte de 135 pessoas. São números que somente esta semana chegaram ao conhecimento da população e que, as próprias autoridades sanitárias alertam, parecem estar longe do pico da curva, a ocorrer no próximo verão.

A informação de que neste período, apesar do grande número de casos, houve uma desaceleração nos registros da doença (889 notificações em outubro, contra 32 mil pacientes em abril, o mês mais crítico deste ano) não deve ser interpretada como sinal para baixar a guarda. A queda estatística corresponde a uma época de baixa atividade do mosquito, maior quando há a combinação de tempo quente e úmido, própria do verão. Deve-se levar também em consideração a enraizada cultura, na população e no poder público, de, passada a temporada de maior incidência da dengue, se relaxar com os procedimentos de prevenção (combate direto ao mosquito) e controle epidêmico (ou seja, há certamente subnotificação de ocorrências, que induz à falsa impressão de redução de contágios).

A proximidade do verão faz acender a luz vermelha, em razão da iminente chegada de uma epidemia. Há dois anos esta previsão lastreia os alertas de autoridades da Saúde. A explosão do número de casos era esperada já no início deste ano, mas, por alguma providencial razão, a estimativa não se concretizou. Os índices de infecção ficaram sob controle, apesar da inaceitável ocorrência de mais de cem óbitos. Ganharam-se alguns meses para implementar procedimentos atenuantes da doença (que é sazonal, portanto previsível), mas teme-se que, mais uma vez, as autoridades sanitárias tenham deixado para a última hora a adoção de um programa efetivo de prevenção, mobilizando organismos oficiais e a população.

Há razões para temer pelo pior se, de fato, o Rio enfrentar nova epidemia de dengue. Primeiro, pelo indício de tibieza nas ações preventivas. Segundo, pela chegada de uma nova variação do vírus - o de tipo 4 -, cuja incidência é inédita no estado, o que torna toda a população suscetível de contágio (a notificação de quatro casos em Niterói, nos últimos dias, é razão suficiente para acionar o alarme). Terceiro, porque já se passaram duas décadas desde a epidemia causada pelo vírus de tipo 1 da doença, o que abre espaço para a disseminação, inclusive deste vírus, na faixa abaixo dos 20 anos, ainda não imune.

Estamos a pouco mais de um mês do verão. O prazo para a adoção de medidas preventivas praticamente se esgotou, e não se sabe até que ponto o Rio está preparado para enfrentar a dengue. Mas, ainda que a prevenção, como tudo indica, tenha sido falha, resta espaço para ações de redução de danos. Entre elas, o aparelhamento da rede de saúde para atender os pacientes, o incremento das operações de eliminação de focos do mosquito e o incentivo à população para que faça a sua parte, fundamental, na guerra contra a doença.