Título: Eu vou contar com pessoas do PCdoB
Autor:
Fonte: O Globo, 06/11/2011, O País, p. 4

Desde que assumiu o Ministério do Esporte, segunda-feira, Aldo Rebelo não faz outra coisa a não ser ler contratos de convênios com ONGs e se reunir com secretários para tomar pé do emaranhado de confusões que terá de administrar. Não é pouca coisa, mas na sua mesa, na última sexta-feira, o lugar de destaque era ocupado pelo livro "O soldado absoluto", de Wagner William, uma biografia do general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra do governo JK, cujos ideais eram o nacionalismo, a legalidade e a democracia.

Cercado pelos objetos que carrega para onde vai - imagens de santos, estátuas de líderes mundiais e quadros com fotos de estadistas e escritores -, Aldo conversou com O GLOBO, na tarde de sexta-feira, sobre seus próximos desafios. Defendeu o antecessor Orlando Silva, a quem considera um homem honesto e íntegro, e disse que também é sua missão provar que seu partido, o PCdoB, tem compromissos com os interesses nacionais:

- Você não tira diploma de revolucionário e põe na parede. Isso você tem que provar todos os dias.

Mais adiante, afirmou, sobre formação de sua equipe:

- Eu vou contar com pessoas do PCdoB.

Maria Lima

O senhor é um curinga usado em momentos de crise. Qual seu maior desafio? O que a presidente Dilma pediu?

ALDO REBELO: Conheço a presidente Dilma há algum tempo, fomos ministros juntos, minha indicação foi uma demonstração de sua confiança. Não houve uma recomendação especial, além das previsíveis (Copa e Olimpíadas), ao lado de uma preocupação que é procurar dotar o país de uma política nacional de esporte, com sentido de permanência, de durabilidade. O Esporte não tem isso como pratica educacional, mas também como pedagogia, como formação do cidadão.

O Segundo Tempo, principal programa da pasta, ficou desacreditado com as denúncias?

ALDO: Não creio que tenha ficado desacreditado, porque, estatisticamente, é muito reduzido o número de convênios que são alvo de denúncias. Temos que proteger o programa, que atende hoje mais de dois milhões de crianças. Elas ganham a oportunidade de praticar um esporte. É um programa reconhecido internacionalmente. Na execução é que vamos procurar melhorar e assegurar meios que evitem contratempos, como os que nós conhecemos nesse episódio.

Pessoas de má-fé usaram o programa para desviar dinheiro público?

ALDO: Não posso apresentar nem apontar qualquer responsabilidade sem prévia apuração, seria julgamento precipitado. Creio que a grande maioria das ONGs trabalhou de boa-fé, fez o serviço com seriedade. Mas há, em todas essas atividades, aqueles que, por imprudência ou incapacidade, cometeram deslizes na prestação de contas. Como pode haver também má-fé, que só as investigações vão apontar.

O PCdoB é acusado de usar ONGs ligadas ao partido para fazer caixa dois. Outros partidos também, em outras áreas. Como acabar com isso?

ALDO: Não acredito que o PCdoB tenha usado ONGs para fazer caixa dois. O que pode ter havido foi imperícia na prestação de contas ou desvio de finalidade, que só uma investigação pode apontar. Não tenho o direito de fazer julgamento prévio.

É um desafio seu também afastar a imagem de que o PCdoB aparelhou o ministério para fazer caixa dois?

ALDO: Um revolucionário disse, certa vez, que você não tira diploma de revolucionário e põe na parede. Isso você tem que provar todos os dias. Então, sou um militante, um dirigente do PCdoB e tenho a responsabilidade de demonstrar os compromissos do partido com o interesse público, com o interesse nacional, que é o compromisso programático, é a vida e a história do PCdoB. E essa é a minha tarefa. Creio que o ministro Orlando é um homem honesto, íntegro, que, como qualquer pessoa na vida, pode ter sido colhido num acidente, em episódios indesejáveis. Ele demonstrou, ao pedir a investigação sobre sua atividade, a boa-fé na realização de seus atos.

Está tendo dificuldade para compor a nova equipe?

ALDO: O equilíbrio entre a continuidade e a renovação tem que partir de critérios que reúnam afinidade política com o governo e o pensamento do ministro. Não afinidade ideológica ou partidária, mas afinidade com programas, com o objetivo de democratizar o Esporte, torná-lo acessível à população e, principalmente, aos jovens. E isso não é uma coisa fácil de reunir.

Por quê?

ALDO: Você pode ter um gestor público experiente, pode ter a capacidade executiva, mas essas pessoas não estão aguardando que o ministro do Esporte as convoque. Elas têm suas tarefas. E há também a limitação dos salários. Não há um executivo no mercado disposto a receber a remuneração disponível no ministério. E no funcionalismo público, a quase totalidade deles já tem suas atividades definidas. Vou ter que ter certa paciência e persistência para buscar os nomes. Não posso ficar sem a memória do ministério. Tem que ter essa combinação de continuidade e renovação.

O PCdoB está demonizado a ponto de o senhor não poder contar com gente do partido?

ALDO: Eu vou contar com pessoas do partido, não tenha dúvida disso.

Ministro mostra como vai jogar com a Fifa

O senhor conversou com o iatista Lars Grael e a dirigente do PCdoB Nádia Campeão...

ALDO: Conversei com eles e com outras pessoas também, mas não houve convites. Por que conversei com eles: são gestores com larga experiência. O Lars foi secretário nacional de Esporte no governo Fernando Henrique, secretário de Esporte no governo Alckmin, é um homem respeitado. Já tive conversas longas com ele desde os tempos da CPI do Futebol, temos uma identidade muito grande sobre as coisas do Esporte. A Nádia foi secretária municipal do Esporte em São Paulo.

O fato de Lars ter trabalhado em governos tucanos poderia impedir a ida dele para um governo petista?

ALDO: Por que deveria ser? O interesse público não pode ser escrutinado por esse viés ideológico e político.

Amanhã chega ao Brasil a delegação da Fifa encabeçada pelo secretário-geral, Jerôme Valke, que tem sido firme na defesa de regras para a Lei Geral da Copa. Como será sua interlocução com ele?

ALDO: Talvez não estejamos habituados com a forma com que os estrangeiros se pronunciam sobre seus interesses, que são interesses próprios de uma entidade privada. O Brasil responde pelos interesses da sociedade brasileira. Vamos procurar fazer concessões à Fifa naquilo que for possível. No que não for possível, paciência!

O Brasil vai defender pontos polêmicos como meia-entrada para idosos?

ALDO: A Copa é da Fifa e será realizada no Brasil nos marcos legais do Brasil. O Brasil acolhe e já firmou uma série de compromissos com a Fifa, mas dentro da nossa legislação. A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Temos todo o interesse em colaborar com a Fifa e fazer uma grande Copa, dentro dos limites do interesse público e do interesse nacional. Ponto!

O ministro tem perfil meio folclórico, criou o Dia do Saci, é contra estrangeirismos. Qual será sua marca no Esporte?

ALDO: Quem criou o Saci foi o Monteiro Lobato (risos). Se já tem o Dia das Bruxas, por que não pode ter o do Saci? Essa marca só pode ser aferida quando eu deixar o ministério. Vou me comportar com o mesmo compromisso público como quando fui ministro do presidente Lula, presidente da Câmara, como relator de projetos importantes como o que autorizou pesquisa com células-tronco, quando relatei o Código Florestal. Onde houver polêmica e diferença de opiniões, vou enfrentar com firmeza, humildade, mas com argumentos!