Título: Juízes criticam Eliana Calmon por querer regulamentar seus eventos
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 05/11/2011, O País, p. 4

Para magistrados, intenção da corregedora do CNJ fere a Constituição

BRASÍLIA. A intenção de regulamentar a participação de juízes em eventos com patrocínio público e privado abriu mais uma frente de batalha entre a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, e entidades que representam magistrados. Em nota conjunta divulgada ontem, a Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) criticaram a ministra, que prepara proposta com critérios para a presença de juízes em atividades bancadas por empresas que, não raro, têm interesses em decisões do Judiciário. Uma minuta de resolução será apresentada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como antecipou O GLOBO ontem.

No comunicado, as entidades se dizem perplexas e indignadas com "a possibilidade de a Corregedoria do CNJ pretender cercear ou limitar direitos." E adiantam que vão à Justiça se a regulamentação, considerada ilegal e inconstitucional por elas, for acolhida. "A Constituição garante a liberdade de associação e, expressamente, proíbe a intervenção de órgãos do Estado no funcionamento desta. Não pode, tampouco, a Corregedoria do CNJ pretender disciplinar o direito de reunião de juízes, pois é inerente a todos os brasileiros e ao regime democrático."

As associações alegam que a corregedora já participou de encontros "nos exatos moldes que ela hoje combate por meio da imprensa com tanta veemência." Sobre o patrocínio de empresas públicas e privadas aos eventos, sustentam que a Constituição garante a livre iniciativa e, em consequência, o direito de conceder apoio financeiro a atividades acadêmicas, políticas, culturais e esportivas. "O ato de correição deve ser realizado com coerência, isenção e discrição para combater as ilicitudes, e não atos lícitos expressamente albergados pelo texto constitucional", reclamam.

Nota também faz críticas à OAB

A nota também ataca a OAB, cujo presidente nacional, Ophir Cavalcanti, defendeu a regulamentação em entrevista ao GLOBO. Segundo ele, aceitar a ajuda financeira é antiético e prejudica a imagem dos juízes, que devem manter sua aura de isenção.

"A Ajufe e a Anamatra repelam qualquer insinuação de que tais patrocínios possam interferir no livre convencimento e na liberdade de decisão dos juízes. A própria OAB irá promover a XXI Conferência Nacional dos Advogados, na qual se incluem advogados da União, defensores públicos e procuradores federais, com patrocínio de órgãos públicos e empresas públicas e privadas", rebatem as entidades.

Ophir Cavalcanti argumenta que o caso da OAB é diferente, pois os advogados não são agentes do Estado, com eventual poder de decisão sobre causas de interesse de seus patrocinadores. E, a serviço, defendem sempre interesses de uma parte.

A polêmica sobre os patrocínios começou depois de o GLOBO revelar, na quarta-feira, que 320 juízes e seus acompanhantes passaram o feriadão em maratona esportiva promovida pela Anamatra em resorts de Porto de Galinhas (PE). O evento foi patrocinado pelo Banco do Brasil, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), vinculada ao Ministério das Minas e Energia, e o Governo de Pernambuco, além de empresas privadas como Oi, Ambev, Qualicorp e Silvana. Os patrocínios somaram R$180 mil.

Após a reportagem, Eliana Calmon anunciou que prepara proposta de regulamentação a ser apresentada ao CNJ. Ela já abrira uma crise no Judiciário ao se contrapor a ação no Supremo Tribunal Federal para limitar os poderes do conselho de investigar e punir magistrados. E ao declarar que no país também há "bandidos de toga".