Título: O que estamos vendo é a cara política da crise
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 13/11/2011, Economia, p. 33
Para ex-presidente do BID, perda de confiança nos políticos é essência da turbulência atual e há risco de recessão na Europa
Para Enrique Iglesias, que presidiu o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por 17 anos, a perda de confiança nos políticos é a face mais crítica da crise europeia. Embora ele não acredite no fim do euro, diz que há real risco de recessão na Europa e de uma nova crise de crédito, como a vivida em 2008, com reflexos, inclusive, para o Brasil. Hoje à frente da Secretaria-Geral Ibero-americana, órgão sediado em Madri que visa a aumentar a cooperação entre as nações ibéricas e as latino-americanas, Iglesias vê semelhanças entre a crise europeia e a crise da dívida na América Latina nos anos 80. Mas ressalta que os europeus têm sido mais lentos para tomar as medidas necessárias para combatê-la. Diz ainda que planos de austeridade, sozinhos, não resolverão o problema. "Os países têm que crescer para fazer frente ao desemprego e melhorar as condições sociais."
Com o foco da crise europeia na Itália, pode-se dizer que ela sai da periferia e chega ao centro do continente?
ENRIQUE IGLESIAS: Se a crise italiana não se resolver rápido, seus efeitos serão sentidos no resto da Europa inevitavelmente. O que estamos vendo neste momento é a cara política da crise, que afeta a confiança nos políticos e nas políticas. Creio que isso ameaça todo o continente e o resto do mundo.
Como o senhor vê o futuro da União Europeia?
IGLESIAS: A comunidade europeia não poderá sobreviver com sua dinâmica atual sem, coletivamente, fazer frente aos problemas dos países em dificuldades, como Grécia e Itália. Não creio que o euro desapareça. Seria um problema explosivo para a UE e todo o mundo. Estamos falando de uma das grandes moedas de reserva do mundo.
"A austeridade sozinha não é suficiente"
É possível estabelecer um paralelo entre a crise europeia e a crise da dívida dos países latino-americanos da década de 80?
IGLESIAS: Sim, (as duas crises) são muito parecidas. Lamento que os países europeus não tenham analisado com interesse como manejamos as crises na América Latina. Naquela época, tínhamos um problema de superendividamento. Enfrentamos o problema com o Plano Brady, que permitiu a muitos países sair de sua estagnação. Isso foi feito com medidas negociadas com o mercado. E também foram previstos mecanismos de expansão econômica via créditos internacionais de apoio às medidas de ajuste. A austeridade sozinha não é suficiente. Os países têm que crescer para poder fazer frente ao desemprego e melhorar as condições sociais. Do contrário, entram em um círculo vicioso perigoso não apenas econômico, como também social.
Isso teria sido possível de ser aplicado na Grécia?
IGLESIAS: Lamento que o tema grego não tenha sido abordado há mais de um ano, quando já se sabia perfeitamente que a dívida em níveis tão altos era impagável. Um dos pontos que diferencia nossas soluções das europeias é que (nos anos 80) foram tomadas soluções rápidas. A demora em abordar os problemas alimenta a especulação e a insegurança.
Há risco de uma nova crise de crédito como a de 2008?
IGLESIAS: Sim, há. Alguns países, como Alemanha e França, estão sentindo os impactos recessivos dos problemas do Sul da Europa. E, de alguma maneira, existe risco de uma crise recessiva em toda a região.
Como a crise europeia pode atingir a América Latina, especialmente o Brasil?
IGLESIAS: De alguma forma estamos no planeta Terra. Se a recessão europeia se confirmar, não há soluções rápidas. Isso pode impactar a demanda mundial, com reflexos sobre a demanda de importações da China, que por sua vez terá efeitos sobre os preços das matérias-primas que vêm estimulando o Brasil nos últimos anos. Isso afetará (a América Latina) inevitavelmente.
Quem são as principais vítimas da crise?
IGLESIAS: Em primeiro lugar, os desempregados. Também o são as milhares de empresas, sobretudo as pequenas, que vêm desaparecendo. Além disso, também são vítimas as políticas sociais que vêm sendo cortadas pela crise fiscal que enfrentam os governos. O que mais me inquieta nesses momentos é a perda de confiança e o pessimismo que atinge muitos países desenvolvidos. Isso só se supera se a confiança nos políticos e nas políticas é restabelecida. Essa é a essência da crise atual.