Título: As cores da desigualdade nas favelas pacificadas
Autor: Werneck, Antonio; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 13/11/2011, Rio, p. 17

Programa social mapeia cinco morros e constata diferenças de infraestrutura dentro de uma mesma comunidade

Marli Felizardo, de 34 anos, mora no Morro São João, no Engenho Novo, desde que nasceu. Seus pais vieram de João Pessoa, na Paraíba. Ela teve três filhos na favela: Paulo Victor, de 7 anos, João, de 9, e Victória, de 10. As três crianças compõem a terceira geração da família a viver entre tábuas de caixotes, folhas de zinco e latas - material de que é feito o seu barraco. Ali, na localidade da Matinha, a miséria é tão grande que contrasta com outras áreas do São João. Essas diferenças em comunidades com a presença de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) têm sido mapeadas pela UPP Social, programa do município coordenado pelo Instituto Pereira Passos (IPP).

- O mapeamento das desigualdades nas favelas com UPP não serve só como diagnóstico. Serve, sobretudo, para focalizar as políticas públicas, definindo, assim, uma sequência de prioridades - afirmou Ricardo Henriques, presidente do IPP.

Crianças mal alimentadas e com baixa escolaridade

Já são cinco as áreas pacificadas mapeadas. Além do São João, equipes da UPP Social levantaram diversidades e disparidades no Morro do Borel, na Tijuca, no Pavão, em Copacabana, e nas favelas do Sumaré e Paula Ramos, cobertas pela UPP do Turano, no Rio Comprido. O mapeamento divide as áreas por cores: a verde é para demarcar terrenos com melhor infraestrutura e a vermelha, as áreas sem infraestrutura e com pobreza extrema. As cores verde-claro, amarelo, laranja, rosa e vermelho se inserem na gradação entre o verde e o vermelho. Toda essa coloração ilustra relatórios para secretarias municipais, como a de Habitação, de Urbanismo, de Obras e de Conservação.

No Morro São João, uma equipe do GLOBO percorreu as áreas mapeadas. Na Matinha, cerca de 40 casas de madeira ilustram mais de três décadas de abandono do lugar pelo poder público. Essa impressão fica ainda mais forte ao se olhar o lixão que existe no local, rodeado de ratos.

Com seguidas repetências, os filhos de Marli não conseguem ir à frente na escola. A alimentação da família é à base de arroz, feijão, ovo e, às vezes, frango. O esgotamento sanitário é algo improvisado pelos próprios moradores, que instalaram canos convergindo para valas negras.

- Meu marido trabalha numa empresa de limpeza. Eu sou doméstica, mas estou desempregada. O dinheiro que entra é para comida - disse Marli.

No mesmo Morro São João, o jovem geógrafo Henrique de Oliveira exibe um sorriso e a caderneta da universidade em que se formou. Numa boa casa de alvenaria, com janelas de esquadria de madeira, na localidade de Pau Rolou, Henrique aponta os acessos construídos pelo projeto Favela-bairro, ruas e vielas com drenagem, esgotamento sanitário ligado à rede pública e comércio.

- Sou feliz aqui, mas sei que a Matinha e o Queto estão precários demais - disse o morador, referindo-se a outras áreas da comunidade.

Se onde Henrique vive a cor do mapa é verde, no Queto, como na Matinha, o vermelho cobre toda a área. No alto do Queto, os acessos são todos de chão batido. Os caminhos usados pela população são por onde correm os cursos d"água e o esgoto a céu aberto. É lixo por todo canto.

- No alto do Queto, a cor é vermelha também por se tratar de uma área de alto risco geológico. Mais abaixo, como os acessos são um pouco melhores e há menos casas de madeira, a cor é rosa - explicou Tiago Borba, gerente de Gestão Territorial do IPP.

O Morro do Pavão - vizinho ao do Pavãozinho - também é uma favela heterogênea. No alto, há a localidade Caranguejo. No mapeamento, sua cor é vermelha. Não à toa: no local as casas são de madeira, com coberturas de folhas de zinco, presas com pedras. Não há iluminação pública e a água é escassa.

- Há muita gente da própria comunidade que nunca veio aqui, já que o lugar era conhecido como ponto em que traficantes faziam execuções - disse Fabíola Nascimento, gestora local da UPP Social.

Mais abaixo do Caranguejo, surge a cor laranja, numa área híbrida, com casas mais bem construídas ao lado de outras de madeira, além de acessos e rede de drenagem construídos pelo Favela-Bairro e pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).

Estrada garante melhor classificação no Borel

Já no mapa do Borel, chama a atenção a área verde cortando o morro. A Estrada da Independência, construída pelo Favela-Bairro, explica a cor, que indica uma área com mais infraestrutura. Ao longo dela, veem-se casas mais bem construídas, com um bom alinhamento e abastecidas por um comércio razoável. O fato de a via permitir o acesso de carros e caminhões facilita a sua conservação.

No próprio Borel, a área vermelha, onde fica a localidade de Bananal, tem um terreno íngreme, de difícil acesso, sem esgotamento sanitário e com famílias em casas de madeira.