Título: O desafio de gerenciar as UPPs
Autor:
Fonte: O Globo, 17/11/2011, Opinião, p. 6

A ocupação da Rocinha, no fim de semana, abre caminho para a implantação da 19ª Unidade de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro, consolidando o projeto do governo estadual de recuperar para a cidadania comunidades subjugadas - algumas há décadas, caso da favela em São Conrado - pelo crime organizado. Vistos pelos resultados desta primeira fase, com a reconquista, via ações policial-militares, de um terreno que se julgava irremediavelmente dominado por chefões criminosos, os números desse programa são inquestionavelmente positivos. Um indicador é o total de moradores beneficiados pelas UPPs, pelo evidente impacto sobre os indicadores de criminalidade e, projetando-os para o futuro imediato, por sua importância como instrumento de resgate da dignidade de milhares de famílias até então tiranizadas por quadrilhas.

As 18 UPPs já instaladas movimentam um efetivo de 3.500 PMs e beneficiam diretamente 315 mil pessoas - cerca de 30% da população de favelados-, não só por livrá-las da tirania dos bandidos, mas também por lhes abrir perspectivas de intervenções urbanísticas nas comunidades, de acesso a serviços do poder público e de melhoria das condições de vida em geral. É um programa até agora bem-sucedido e fundamental para a política de segurança do estado e do próprio país. Por isso mesmo, é preciso enfrentar o desafio do seu gerenciamento, crucial para a preservação dos bons frutos colhidos até aqui.

Questão-chave, por exemplo, é a formação dos policiais convocados para o efetivo das UPPs. Em face da rápida expansão do programa de ocupações, o recrutamento deve ser necessariamente ágil. Mas isso não implica relaxar com o imperativo de qualificação da tropa. Os soldados destacados para as unidades precisam ter um perfil apropriado para enfrentar o desafio de manter o Estado presente em comunidades recém-resgatadas, bem como para se manterem blindados contra esperadas investidas corruptoras do tráfico e da banda podre, mal que contamina as polícias Civil e Militar.

Maus policiais e desvios de conduta existem em corporações policiais em todo o mundo. Mas o bom gerenciamento das UPPs pressupõe mantê-los no terreno da exceção, punindo exemplarmente aqueles que saiam da linha. Neste particular, é estimulante constatar que a PM agiu como devia nos esporádicos episódios de malfeitos envolvendo agentes das unidades pacificadoras com os quais se houve - caso do afastamento do comando da UPP em Santa Teresa, em setembro, após denúncia de que integrantes da unidade teriam recebido propina de criminosos, e, esta semana, do policial da UPP do Morro da Formiga, na Tijuca, que matou um motorista em briga de trânsito, além de dirigir carro roubado.

As UPPs não são um fim em si, mas o ponto a partir do qual o Estado se fará presente nas comunidades, e para sempre. Não se trata de substituir o chefão ilegal do crime organizado pelo comandante da unidade de pacificação como xerife e mediador de conflitos nas favelas. As UPPs devem preparar o caminho para a ocupação social, levando às comunidades a restauração dos instrumentos institucionais da cidadania, a maneira pela qual o Estado ocupará, perene e irreversivelmente, o seu lugar como provedor da dignidade dos moradores locais.