Título: EUA punem Unesco por voto à Palestina
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Fonte: O Globo, 01/11/2011, O Mundo, p. 28

Governo Obama suspende US$70 milhões de ajuda a 1ª agência da ONU a aceitar Estado como membro pleno

PARIS e WASHINGTON

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) tornou-se ontem a primeira agência da ONU a reconhecer a Palestina como um integrante pleno. O gesto provocou uma comemoração que colocou, momentaneamente, lado a lado o governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP) na Cisjordânia e o grupo islâmico Hamas, na Faixa de Gaza. Mas, o objetivo palestino de incluir sítios históricos como a Igreja da Natividade, em Belém; a cidade bíblica de Jericó e a Tumba dos Patriarcas, em Hebron, na lista de patrimônios da Humanidade corre o risco de não se concretizar assim tão rápido: o governo israelense classificou o episódio como "uma ameaça à paz" e os Estados Unidos - responsáveis por quase 25% do orçamento da Unesco - suspenderam cerca de US$70 milhões anuais em recursos à entidade, que perdeu, ainda, outros 3%, providos por Israel.

- O voto para admitir a Palestina na Unesco é lamentável, prematuro e mina nosso objetivo de uma paz justa e duradoura - disse a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland. - Faríamos um pagamento de US$60 milhões à Unesco em novembro, mas não faremos mais.

O corte é justificado por duas leis aprovadas pelo Congresso americano - uma em 1990 e outra em 1994 - proibindo a aplicação de fundos federais em qualquer agência da ONU que reconhecesse a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) como Estado-membro. Ontem, grupos pró-palestinos e até o movimento judaico progressista J-Street clamavam por uma emenda à legislação, o que não será tarefa das mais fáceis.

"É uma situação difícil para o governo Obama. A Casa Branca e o Departamento de Estado apoiam a missão da Unesco, mas a chance de mudar a lei em um Congresso dominado por um amplo bloco pró-Israel é pequena", observou o site Politico.com

O governo israelense reagiu furiosamente ao anúncio. Em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que o país rejeita a decisão da Unesco. "Trata-se de uma manobra palestina unilateral que não traz mudanças práticas no território, mas vai distanciar as chances de um acordo de paz. Essa decisão não torna a Autoridade Palestina um verdadeiro Estado, mas coloca um peso desnecessário sobre o caminho para a retomada das negociações", dizia o texto.

Brasil felicita ANP, Europa se racha

Em Paris, no entanto, a decisão foi saudada com gritos de "vida longa à Palestina" na sede da Unesco. Ao contrário do Conselho de Segurança, onde as superpotências têm poder de veto, bastavam dois terços dos votos a favor para que a Palestina ganhasse sua adesão. Dos 173 membros, 107 votaram pelo sim - como a França e grupo dos Brics - 14 se opuseram, liderados por EUA, Israel e Alemanha, e 52 - entre os quais o Reino Unido - se abstiveram, expondo o racha europeu perante a questão palestina.

Após o voto favorável, o Brasil festejou a decisão. "O governo brasileiro felicita a Palestina por sua admissão como membro pleno da Unesco", disse o Itamaraty, em nota.

Enquanto analistas acreditam que a adesão à Unesco é uma pequena vitória política para o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, a votação também aumenta as pressões sobre ele e sobre o grupo islâmico Hamas para um acordo de união nacional. Afinal, para completar o processo de entrada oficial na agência da ONU, o Parlamento palestino precisa ratificar a proposta - e a entidade está paralisada desde 2007, durante a crise que rachou a política palestina e levou o Hamas ao controle da Faixa de Gaza. O grupo, no entanto, limitou-se a comemorar.

- É uma grande conquista para a causa palestina - afirmou o porta-voz do Hamas em Gaza, Fawzi Barhoum.

Na Cisjordânia, a ANP também se esquivou de questões políticas, mas o ministro da Saúde, Fathi Abu Moghli, afirmou à agência estatal Wafa que, agora, já se prepara para pedir a adesão da Palestina à Organização Mundial de Saúde (OMS).

Vitória ou derrota, a decisão da Unesco promete incendiar, mais uma vez, os esforços diplomáticos acerca da próxima grande batalha palestina, marcada para 11 de novembro - data em que o Conselho de Segurança da ONU vota o emblemático pedido de adesão plena às Nações Unidos, feito em setembro passado.