Título: Baterias se voltam para a França
Autor:
Fonte: O Globo, 15/11/2011, Economia, p. 21

Custo de financiamento do país é o dobro da Alemanha e põe em risco classificação "AAA"

PARIS, BRUXELAS, NOVA YORK e RIO

As atenções do mercado se voltaram ontem para a França, que viu os juros que precisa pagar para se financiar subirem, o que coloca em risco sua classificação "AAA" pelas agências de risco. O jornal americano "New York Times" levantou a dúvida se Paris seria a próxima peça do dominó a cair depois de Atenas e Roma, com os investidores "cada vez mais preocupados com as perspectivas para a França, cujos bancos estão entre os maiores do mundo".

O retorno sobre os bônus de dez anos da França atingiu ontem 3,42%, quase o dobro da taxa dos papéis alemães, referência do mercado, de 1,78%. Esse retorno é inversamente proporcional à demanda dos investidores. Há dois meses, o patamar era de 2,70%.

Para alguns analistas, com juros tão elevados, a França só continua "AAA" no papel, já que, na prática, o país perdeu o principal benefício da classificação, que é ter um custo de financiamento reduzido. O retorno do bônus francês já está acima do título do Tesouro americano, hoje em 2% - e os Estados Unidos perderam em agosto sua classificação "AAA".

"Não vamos nos enganar: nos mercados, a França já não é "AAA"", afirmou o economista Jacques Attali ao jornal francês "La Tribune".

O temor do mercado não é de calote, como no caso da Grécia, mas com os fundamentos da economia francesa. Seu endividamento, por exemplo, está em 85% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), abaixo dos 120% registrados pela Itália.

O governo francês chegou a levar um susto na semana passada, quando, por uma falha de sistema, a agência de classificação de risco Standard&Poor"s informou ter reduzido a nota francesa. A agência corrigiu rapidamente seu erro, mas a desconfiança foi alimentada.

- A questão não é se a França vai ser rebaixada, mas quando - disse à agência AP Marc Touati, analista da Assya Compagnie Financière.

Um possível rebaixamento ainda afetaria as chances de o presidente Nicolas Sarkozy ser reeleito ano que vem. A popularidade de seu governo já vem sendo afetada pelas medidas de austeridade que teve de adotar. Os dois pacotes lançados este ano vão resultar em cortes de até 18 bilhões em 2012. Isso deve reduzir ainda mais a expansão da economia, que este ano deve ficar em apenas 1%. O governo divulga hoje os dados do terceiro trimestre.

Michel Sapin, ex-ministro de Finanças e colaborador do candidato socialista à Presidência, François Hollande, afirmou ao jornal francês "Le Monde" que as medidas de Sarkozy vão levar a um "círculo vicioso de austeridade, recessão e déficit".

Juros são recorde na Itália e bolsas caem

Um dos fatores que afetam a França é a crise na Itália, que, apesar ter como novo premier o economista Mario Monti, não conseguiu acalmar os investidores. O retorno dos bônus italianos de dez anos voltou a subir ontem, para 6,70%, depois de terem recuado a 6,46% na sexta-feira. A Itália vendeu 3 bilhões em títulos de cinco anos, mas estes saíram pelo maior juro desde 1997: 6,29%. No último leilão, em outubro, a taxa fora de 5,32%.

Analistas lembram que os bancos franceses têm uma grande exposição aos papéis italianos. O BNP Paribas têm 12,2 bilhões em títulos da Itália, segundo o "New York Times". O Crédit Agricole, 8,7 bilhões.

"Quando se trata com a Itália, é preciso lidar com a França também", disse ao "Times" Hans Mikkelsen, estrategista de crédito sênior do Bank of America Merrill Lynch.

Afinal, se a Itália decidir decretar uma moratória de parte de sua dívida, de quase 1,9 trilhão, o efeito sobre os bancos seria mais devastador que no caso da Grécia. Esta acertou com a UE um calote de 50% de sua dívida, mas esta é de 350 bilhões.

A Itália vai continuar sob o monitoramento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE), mesmo estando agora sob um novo governo. A informação foi dada ontem pelo comissário europeu para Assuntos Econômicos, Olli Rehn, à agência Ansa.

- O diagnóstico da economia italiana não muda só porque há uma nova administração - disse Rehn, referindo-se à renúncia do premier Silvio Berlusconi e à entrada de Monti.

Jean-Pierre Lambert, analista sênior de bancos da consultoria Keefe, Bruyette & Woods, disse ao "Times" que se a situação na Itália se agravar, alguns bancos franceses precisarão de ajuda do Estado.

Por isso, o temor sobre a crise da dívida europeia continuou a pesar nos mercados. A Bolsa de Londres recuou 0,47%, enquanto Paris e Frankfurt tiveram quedas de 1,28% e 1,19%, respectivamente. O banco italiano UniCredit caiu 6,2% após divulgar prejuízo trimestral. Os espanhóis BBVA e Santander recuaram 3,2% e 2,7%, respectivamente, acompanhando a piora dos títulos do país, cujo retorno passou de 6% ontem.

Wall Street também refletiu o temor de que as mudanças políticas de Grécia e Itália não consigam resolver a crise da dívida na Europa a curto prazo. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, recuou 0,61%. Nasdaq e S&P caíram 0,80% e 0,96%, respectivamente. O euro recuou 0,3% frente ao dólar, para US$1,3702.

Já Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou 0,49%, aos 58.258 pontos pelo Ibovespa, seu índice de referência. Foi a quarta queda em cinco pregões. O tom do mercado foi de cautela, e o dólar comercial avançou 1,37%, cotado a R$1,768.

- Os investidores puxaram uma forte alta nas bolsas na sexta-feira, na expectativa da saída de Berlusconi. Foi uma alta exagerada e a rolagem da dívida italiana acendeu essa luz amarela, provocando a queda nas bolsas - explicou Gustavo Mendonça, da Oren Investimentos.

A perdas ontem no Ibovespa não foram maiores porque as ações de bancos subiram, refletindo o anúncio do Banco Central (BC), na última sexta-feira, de que vai flexibilizar o crédito a consumidores a curto prazo.

Europa terá década perdida, diz tcheco

Reforçando a preocupação com a saúde econômica da Europa, o órgão de estatísticas do bloco informou ontem que a produção industrial da zona do euro caiu 2% em setembro frente a agosto. Isso aumanta a expectativa de uma recessão na região. Analistas esperavam queda de 2,2%. A atividade na Alemanha e na França, as maiores economias do bloco, caiu, respectivamente, 2,9% e 1,9%.

Para o presidente tcheco, Vaclav Klaus, a Europa está em face de uma década perdida, como a que o Japão enfrentou nos anos 1990. Ele disse à revista tcheca "Tyden", em entrevista publicada ontem, que será "uma década sem crescimento econômico, de medidas de austeridade e cortes, uma década de conflitos sociais".

A crise também foi citada em nota a clientes da corretora francesa Oddo Securities. Segundo esta, "a zona do euro enfrenta um duplo choque, o da austeridade orçamentária e do enxugamento do crédito".