Título: BC fecha o cerco aos pastinhas
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 15/08/2009, Economia, p. 18

Banco Central enquadrará autônomos que oferecem empréstimos

Vicente Nunes

Daniel Ferreira/CB/D.A Press Pastinha regularizado, Everton Luiz Espinheiro diz que a crise mundial provocou a demissão de muitos colegas. ¿Mas, agora, está melhorando¿

Diante da enxurrada de denúncias recebidas dos órgãos de defesa do consumidor e do Ministério Público, o Banco Central deu início a um processo de fiscalização e partiu para cima dos ¿pastinhas¿, profissionais autônomos especializados em caçar clientes para bancos e financeiras nas ruas, em empresas e repartições públicas. Eles são acusados, entre outras práticas, de negociar, irregularmente, códigos de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para descontos de empréstimos consignados e de montarem uma indústria de procurações, com as quais, a cada três meses, em média, mudam os clientes de instituição.

¿Não há mais como esses pastinhas continuarem atuando nas sombra, à margem do sistema, sem nenhuma regulamentação. Eles precisam seguir normas rígidas. Vai ser bom para todo mundo, inclusive para os bancos, maiores vítimas da indústria das procurações¿, diz José Luiz Rodrigues, sócio da Consultoria JL Rodrigues, especializada em sistema financeiro. Segundo ele, essa indústria tem como objetivo ampliar as comissões desses profissionais, mas deixa um rastro de prejuízos no mercado.

Com as procurações, os pastinhas pedem a liquidação antecipada dos empréstimos. O banco, que já havia pago comissão de até 25% sobre o valor das operações, é obrigado a dar o desconto dos juros das prestações que estão por vencer. Ou seja, em vez do lucro programado, arca com perdas inesperadas. ¿A cada vez que transferem os empréstimos para uma nova instituição, os pastinhas embolsam comissão. É um negócio e tanto. Mas quem paga a conta é o banco ou a financeira que teve custos para fechar as operações¿, acrescenta Luiz Carlos França, vice-presidente do Grupo Sabemi, que opera com crédito consignado. A seu ver, o BC deve exigir que os pastinhas tenham registro em algum órgão para trabalhar, como ocorre com os corretores de imóveis.

Apesar das queixas dos bancos, são as fraudes com empréstimos a pessoas físicas as que mais preocupam o BC. Os pastinhas criaram uma rede de informação dentro de órgãos públicos (União, estados e municípios) e de empresas privadas, que lhes permite acessar dados pessoais de muitos trabalhadores e servidores, forjando operações fictícias. Por isso, muita gente tem sido surpreendida com descontos de prestações de empréstimos que nunca fizeram. ¿A decisão do BC de regulamentar esse mercado é vital para evitar tal tipo de crime e dar maior segurança a todos os agentes de mercado¿, afirma França. ¿Com certeza, a credibilidade do sistema vai aumentar¿, emenda.

Proliferação

Os pastinhas estão ligados, principalmente, às promotoras de venda de crédito. Essas empresas ganharam corpo nos anos de 1990, quando os bancos e as financeiras descobriram que valia mais a pena usar a estrutura dessas empresas para atrair interessados em tomar dinheiro emprestado do que abrir agências e contratar funcionários caros. Elas cresceram ainda mais na rabeira dos correspondentes bancários, farmácias, padarias e supermercados, entre outros estabelecimentos, que passaram a realizar operações bancárias com a autorização do BC. A proliferação das promotoras foi tamanha que, no fim do ano passado, quase 70 mil delas estavam em operação Brasil afora, cada uma, em média, com três pastinhas, um total de 210 mil profissionais.

¿Ninguém está questionando essa estrutura, que funciona bem. O problema é a falta de normas para a atuação dos pastinhas. Eles precisam ter responsabilidade com o que fazem. Nos nossos contratos com as promotoras, exigimos a identificação de todos esses profissionais, para que, no caso de fraudes, possamos identificar quem está por trás delas e exigir as reparações¿, diz o vice-presidente do Grupo Sabemi. ¿De início, houve muita resistência do mercado. Tivemos que fazer um trabalho de convencimento para mostrar o quanto a transparência era importante para todos. Felizmente, conseguimos vencer as barreiras¿, ressalta. Para ele, não se quer proibir os pastinhas de trabalharem, pois há lugares, como o Rio de Janeiro, onde as promotoras fechariam as portas sem eles.

Segundo França, a ação do BC irá além do enquadramento dos pastinhas. ¿O BC está programando um profundo trabalho de inspeção, inclusive para ver como estão contabilizadas nos balanços dos bancos as operações fechadas por meio de correspondentes bancários¿, diz. ¿O BC quer saber se todas as transações têm aderência à lei¿, completa. O banco, porém, é comedido quando se refere ao processo de fiscalização em curso. Por meio de sua assessoria de imprensa, diz que, em relação aos correspondentes bancários, o trabalho de inspeção ¿busca avaliar os controle das instituições contratantes sobre os riscos e a qualidade dos serviços prestados por esses agentes, bem como o cumprimento de normas vigentes¿.

Recentemente, para focar nas questões relacionadas ao consumidor, o BC ampliou os procedimentos de supervisão relacionados à atuação de correspondentes. Isso aconteceu devido à necessidade de se verificar ¿a existência de controles para a identificação de eventual atuação de `pastinhas¿ em nome da instituição e das providências por ela adotadas para tratamento das denúncias e reclamações recebidas do Banco Central e de outros órgãos, como Procons¿ e o Ministério Público.

E EU COM ISSO Muita gente costuma cair nas lábias dos pastinhas, profissionais bem treinados para levar os incautos ao endividamento. Cuidado com as facilidades oferecidas. Muitas vezes, no sufoco, as pessoas não checam as informações e acabam entrando em uma furada. O crédito é bom, mas desde que tomado com cuidado. Qualquer descontrole pode levar à inadimplência e, por tabela, à lista de maus pagadores do BC, o que significa ficar pelo menos cinco anos proibido de fazer empréstimos.

Movimentação no poder

Deco Bancillon

O mercado paralelo de empréstimos corre às vistas do poder. Em tribunais e repartições públicas, o trânsito de pessoas que oferecem crédito a servidores é quase sempre livre. ¿Na maior parte das vezes, o vendedor fica a manhã toda (no órgão), ou até ser flagrado pelos seguranças¿, diz uma pessoa com trânsito na Esplanada dos Ministérios, que avisa: ¿Isso, quando o cara (vendedor de crédito) não tem esquema, porque, se tiver, é só deixar o (dinheiro) do segurança que está tudo certo¿.

A concessão de descontos aos servidores públicos é o filão dos pastinhas, profissionais que ganham polpudas comissões para cada contrato fechado com financeiras e bancos, por meio das promotoras de crédito. ¿É uma área muito boa, porque o cliente das repartições quase sempre já extrapolou a margem (de consignado) e tem salário alto. É lucro certo¿, conta a mesma pessoa.

Segundo ele, quando o negócio aperta e os pastinhas não conseguem bater a meta de empréstimos, a gerente da loja pede para os pastinhas panfletarem na Esplanada. Cada pastinha recebe comissões que vão de 1% a 25% do valor do empréstimo. Quanto mais arriscada for a operação, maior é a comissão desses profissionais. ¿Infelizmente, temos de contar com os pastinhas para bater as metas. São eles que nos trazem os melhores contratos¿, detalha um proprietário de uma financeira instalada no Setor Comercial Sul, que pediu anonimato.

Golpe da casa

Apesar de as financeiras e os bancos serem os principais motivadores desse comércio paralelo, há pastinhas que preferem ousar. Um vendedor regularizado que pediu para não ter o nome revelado acusou que há um mercado de empréstimos que envolve promotores de vendas e proprietários de lojas de material de construção. ¿Já vi um autônomo (pastinha) que ganhou sozinho R$ 22 mil apenas com um contrato¿, detalha o vendedor. Ele explica: ¿O cliente estava completamente endividado, mas precisava de um valor bem alto, mais de R$ 100 mil. O que o autônomo fez foi conseguir um empréstimo sob pretexto de reformar a casa, apresentando uma nota fiscal fria de uma loja de construção, que também ganhou a parte dela. Esse tipo (de esquema) acontece é muito por aqui¿, revela.

Diferente desse tipo de profissional, Leonardo Jessé Félix, 25 anos, ganha a vida como pastinha regularizado. De segunda a sexta, bate perna por todo o Setor Comercial em busca de cliente. Chega a passar até oito horas em pé, para cumprir a meta da financeira e garantir a comissão da venda, fixada em no máximo R$ 320. ¿Já fechei contrato de R$ 12 mil e ganhei a mesma comissão¿, revela. ¿Aqui é cobrança o tempo inteiro, mas é melhor estar regularizado do que ser autônomo.¿ Morador de Santo Antônio do Descoberto, Everton Luiz Espinheiro, 24, conta que, com a crise, muitos pastinhas regularizados como ele foram demitidos. Mas está confiante. ¿A crise piorou bastante nosso mercado, mas agora está melhorando¿, diz.