Título: Ponto a ser esclarecido
Autor: Ribeiro, Trajano
Fonte: O Globo, 16/11/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Relações entre o poder público e as ONGs

Mais uma vez a sociedade brasileira é surpreendida com denúncias na imprensa relacionadas a convênios entre o governo federal e as ONGs. Desta vez o alvo é o Ministério do Trabalho e Emprego, que realizou cursos de qualificação profissional em parceria com entidades sem fins lucrativos. Ocorre que desde o final de 2010 o MTE não firma convênios com tais entidades para este fim. O ministro Carlos Lupi determinou que, a partir daquele momento, os convênios fossem firmados apenas com estados e municípios, que passariam a executar os programas relacionados à qualificação profissional, com o objetivo de repassar a esses entes, além da execução, a obrigação de monitorá-los e fiscalizá-los.

No caso do ProJovem, isto já ocorria desde 2008. Ademais, o MTE, após décadas, realizou em dezembro de 2008 um concurso público para dotar o órgão integralmente de servidores concursados, mais aptos a exercerem as funções de fiscalização, do que o grande número de prestadores de serviços terceirizados que ali laboravam. Combateu, assim, dois problemas: a terceirização ilegal de mão de obra e a ausência de servidores com legitimidade para fiscalizar os convênios.

Ressalte-se que, diante do avanço do neoliberalismo durante a década de 90, o terceiro setor passou a ser indispensável para que as políticas públicas dos governos pudessem ser executadas. Com a lógica do "Estado mínimo" vigorando, leis como a de responsabilidade fiscal, por exemplo, impediam que o Estado pudesse exercer algumas de suas funções, pois acarretaria, entre outras irregularidades, aumento de gastos com pessoal. E foi com base nessa lógica que os governos passaram a terceirizar funções, inclusive nos ministérios, que viram seus quadros de funcionários serem reduzidos, restringindo uma fiscalização eficaz nos convênios com o terceiro setor.

Não é de hoje que ministros do Trabalho, em defesa do interesse do trabalhador, sofrem denúncias de corrupção ao contrariarem determinados interesses de setores que representam o poder econômico. O ex-presidente João Goulart, durante sua gestão no Ministério do Trabalho, ao abrir as portas a sindicatos e atuar nas negociações entre essas entidades e empresários, defendendo com ênfase o interesse dos trabalhadores, foi acusado de aparelhar o ministério e financiar órgãos de representação de classe. Denúncias de corrupção envolvendo seus assessores pipocavam na mídia à época.

Recentemente, o MTE criou a obrigatoriedade de empresas de grande porte instalarem o ponto eletrônico, que dá ao trabalhador uma espécie de recibo com suas horas extras registradas. Assim, este passa a ter o controle real de sua jornada de trabalho, inclusive com prova documental, e a fiscalização tem acesso direto aos dados. Ou seja, o Ministério do Trabalho e Emprego criou mais um instrumento de proteção ao trabalhador em sua relação com o empregador e acirrou a velha luta capital x trabalho. E mais uma vez o ministro da Pasta é alvo de denúncias, até agora sem provas concretas. Sendo assim, uma pergunta fica no ar: a quem interessa tudo isso? Certamente não é aos trabalhadores.

TRAJANO RIBEIRO é advogado e membro do Diretório Nacional do PDT.