Título: Estado deve reaver controle dos presídios
Autor:
Fonte: O Globo, 19/11/2011, Opinião, p. 6
É sem dúvida positivo o balanço da política de segurança do governo fluminense. Isso se deve a uma nova filosofia de combate ao crime, com o recurso a ações de inteligência e sem espalhafatosas operações policiais, mas principalmente ao programa de Unidades de Polícia Pacificadora contra a tirania do crime organizado. Os resultados dessa linha de atuação têm impacto nos indicadores de criminalidade, nos quais se observam seguidas quedas nos registros das principais modalidades de crimes no estado. Por sua vez, os números refletem uma inquestionável asfixia das quadrilhas, que perdem terreno em áreas onde, por décadas, impuseram seu jugo.
No entanto, este é apenas um dos fronts da guerra para sufocar as quadrilhas e reduzir-lhes a margem de ação nas regiões onde atuam. Em outra frente, têm sido pífias as tentativas do Estado de implantar no sistema penitenciário os mecanismos institucionais de controle da população carcerária, notadamente aquela ligada a facções. Percebe-se, da porta das cadeias para dentro, o oposto do que ocorre no sentido contrário - ou seja, se externamente o poder público dá importantes passos para, por meio do exercício da lei, se sobrepor ao banditismo, dentro dos presídios imperam o código de conduta estabelecido pelos chefões lá recolhidos e as "normas" por eles criadas para emparedar as autoridades governamentais e penitenciárias.
Esta realidade, em que se inverte o papel do Estado, virtual refém daqueles a quem deveria custodiar, é comum a praticamente todos presídios. Os exemplos dão forma a absurdos. Há procedimentos como a distribuição de presos nas unidades de acordo com o seu alinhamento externo entre as facções que, do lado de fora, dominam o crime organizado - uma informalidade, de resto inaceitável por ilegítima, imposta pelas quadrilhas e com a qual compactuam tacitamente dirigentes do sistema. Igualmente, as celas se tornam autênticos escritórios do crime, de dentro dos quais os chefes comandam seus "negócios", arquitetam planos de ataques à sociedade, planejam atentados - enfim, mesmo presos, continuam a exercer o poder de vida e morte que a liberdade lhes facultava.
Foi de dentro de uma prisão federal de segurança máxima que o traficante Fernandinho Beira-Mar comandou os atos de terrorismo que assustaram o Rio ano passado, e é do interior de outra unidade supostamente blindada que o bandido, no início deste mês, fez chegar ao funeral de um assecla uma coroa de flores - visível demonstração de escárnio por um sistema que não consegue mantê-lo efetivamente desconectado de suas atividades ilegais. O exemplo de Beira-Mar é paradigmático: se ele transforma em queijo suíço uma cadeia em tese preparada para lhe tolher os movimentos de agravo à lei, é de se imaginar o quanto pior é a realidade em unidades nas quais o padrão de segurança é sofrível.
Bem encaminhada a guerra contra os bandidos ainda livres, fica o poder público diante do desafio de tomar a si, de fato, o controle da administração dos presídios. É medida tão essencial para seccionar as ramificações do crime organizado como as operações de pacificação que o sufocam nas áreas resgatadas pelo Estado.