Título: Álcool zero!
Autor: Ferraço, Ricardo
Fonte: O Globo, 22/11/2011, Opinião, p. 7

A Lei Seca foi uma conquista da nossa sociedade. A sua implantação, em 2008, representou a redução significativa dos acidentes de trânsito com consequências trágicas. Para se ter uma ideia, nos primeiros trinta dias de aplicação da lei, caiu em, aproximadamente, 30% a quantidade de acidentes com feridos e mortos comparados ao mesmo período do ano anterior. Significava que o bafômetro impôs respeito e alterou o hábito das pessoas que passaram a pensar duas vezes antes de sair de casa para beber, dirigindo o próprio carro.

Ainda que carente de mecanismos mais eficazes de fiscalização, a lei funcionava. Há um ano, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, praticamente, tornar sem efeito a Lei Seca, entendendo que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Esse entendimento praticamente transformou o bafômetro em peça de museu. Motoristas bêbados, visivelmente flagrados por câmeras de TV, cambaleantes, simplesmente passaram a se negar a soprar o instrumento, livrando-se de penalidades.

Voltou a imperar a sensação de impunidade e com ela o agravamento das estatísticas. Recente pesquisa do Ministério da Saúde revelou que o número de mortos nas ruas e estradas do país chegou a mais de 40 mil, em 2010, três mil a mais que no ano anterior. O estudo apurou ainda que as internações hospitalares de vítimas de acidentes de trânsito também bateram recordes: foram 146 mil no ano passado, 15% a mais que em 2009.

Constatamos que o trânsito brasileiro está matando 2,5 vezes mais do que o dos Estados Unidos, e 3,7 vezes mais do que o dos países da União Europeia. Em outras nações, a tolerância com álcool no trânsito é zero.

A apuração das causas dos acidentes no Brasil mostra que, em algumas localidades, o consumo de álcool chega a ser responsável por até 40% das ocorrências. Conclusão: a lei que era boa foi perdendo a eficácia.

Mas o Senado Federal deu importante passo para reverter essa situação. Aprovamos o projeto de lei 48 de 2011 que resgata a importância do bafômetro, e junta a ele outras maneiras, como imagens e testemunho, para produzir provas contra motoristas que forem pegos dirigindo sob efeito de álcool e outros ilícitos. A lei passa a exigir tolerância zero para álcool ou outras substâncias psicoativas no sangue. Qualquer vestígio de bebida alcoólica será passível de punição severa. Se houver lesão contra terceiros, dependendo da gravidade, por exemplo, o infrator poderá pegar de três a 16 anos de detenção. No último caso, se provocar morte.

Ao resgatar a essência da Lei Seca, o projeto que está na Câmara pode encerrar o ciclo de impunidade que vigora no país. A sua aprovação, e posterior sanção presidencial, será importante para diminuir a violência e morte no trânsito.

RICARDO FERRAÇO é senador (PMDB-ES).