Título: Fatura de cartão pode ter prazo menor
Autor: Caffarelli, Paulo Rogério
Fonte: Correio Braziliense, 16/08/2009, Economia, p. 18

Governo prepara medidas para enquadrar cartões de crédito. Associação do setor é favorável a ¿aperfeiçoamento¿, mas adverte que algumas mudanças refletem no bolso do consumidor

Depois de anos operando em uma zona cinzenta, sem prestar contas de suas atividades, o setor de cartões de crédito finalmente será regulamentado. Até o fim de setembro, o Banco Central e os ministérios da Fazenda e da Justiça devem baixar as regras que têm como objetivos principais reduzir os abusos cometidos pelas empresas, como cobrar juros superiores a 600% ao ano, e impor mais concorrência. Para o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Rogério Caffarelli, regras claras serão bem-vindas. Mas ele avisa: se o governo insistir em reduzir o prazo de reembolso dos lojistas, hoje de 30 dias, a conta acabará no colo dos consumidores. ¿Teremos que diminuir o prazo de pagamento das faturas, de 35 dias sem juros¿, diz. A missão de Caffarelli à frente da Abecs não será fácil. Como representante da associação, tem que defender os interesses de 41 associados, sobretudo da Visanet e a Redecard, que detêm mais de 90% do mercado de cartões do país. Caffarelli também é vice-presidente do Banco do Brasil, instituição controlad pelo Ministério da Fazenda. O ministro Guido Mantega já avisou que não tolerará mais os excessos do setor. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva ao Correio Braziliense.

Nossa preocupação é que as novas regras não criem um retrocesso¿ Paulo Rogério Caffarelli, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs)

Como o senhor está vendo a decisão do governo de interferir no setor de cartões? Somos totalmente favoráveis a um aperfeiçoamento dessa indústria. Inclusive, passamos uma série de sugestões que, neste momento, estão sendo analisadas pelos órgãos responsáveis.

Destaque para alguma? Uma preocupação muito grande dos reguladores é com relação à exclusividade, que já acabou para a Redecard e acabará em breve para a Visanet. Isso, de uma certa maneira, resolve parte das questões colocadas pelos reguladores.

Qualquer um poderá entrar para disputar mercado? No caso das máquinas da Redecard, pode-se passar cartões de qualquer bandeira. Isso acontecerá com os equipamentos da Visanet em 10 de junho do ano que vem.

O que isso significa? Significa que o POS, aquela maquininha nas quais são feitas as operações, pode ser compartilhada. Ou seja, uma única máquina passa a aceitar os diversos cartões, como o Mastercard, o Visa, o American Express, Diners, etc. Resolvendo essa questão da exclusividade, resolve-se a questão do lojista. Em vez de pagar o aluguel de duas, três ou mais máquinas, pagará uma só. É importante registrar que hoje mais de 50% do faturamento da indústria de cartões acontece de forma compartilhada. Se você for a um supermercado, verificará que um mesmo POS é utilizado para passar vários cartões. Isso acontece menos em lojas menores.

Mas vocês temem a regulação do setor, que sempre viveu em uma zona cinzenta? De maneira nenhuma. Nós só gostaríamos de debater essa regulação para que não vá de encontro a uma involução dessa indústria. No Brasil, ela ainda não é uma indústria consolidada. Tanto é que o crescimento tem sido, em média, de 20% ao ano. Nossa preocupação é que as novas regras não criem um retrocesso.

Que retrocesso? Vou dar um exemplo. Existe uma preocupação com relação ao prazo que se leva para reembolsar o lojista, de 30 dias. Esse prazo existe porque, na verdade, os usuários de cartão podem comprar de forma planejada e demorar até 35 dias para pagar sua conta sem um centavo de juros. É a contrapartida da operação. É preciso levar em conta que, se for reduzido o prazo para o lojista, fatalmente teremos que mexer no prazo do usuário. É esse tipo de debate que precisamos ter.

Como justificar a taxa de juros do cartão de crédito, que passa de 600% ano? A taxa de juros da indústria é excessivamente alta porque embute a inadimplência do mercado, que não é baixa, da ordem de 9,8% no crédito rotativo. Entendemos que o crédito rotativo é para questões emergenciais. Não é para ser utilizado no dia a dia. Nesse caso, é melhor o cliente pegar um crédito de consumo, um CDC, que tem taxa infinitamente mais baixa. No crédito do cartão está embutida também a questão da garantia que o banco emissor dá para o lojista. Uma vez autorizada a operação, o risco de crédito do lojista é zero.

Muitas vezes, falta informação ao usuário de que a taxa do cartão de crédito é punitiva. Os bancos e a Abecs não têm nenhuma responsabilidade nisso? Os bancos estão bastante atentos, a partir de agora, para fazer um trabalho de conscientização do cliente, que deve saber que, se comprou um sapato para pagar em 35 dias, até lá paga zero de juros. Se, no vencimento, ele está sem dinheiro e decidir prorrogar a dívida por mais 30 dias, vai arcar com juros. Na prática ,o ideal seria o cliente prorrogar o pagamento, no máximo, para o próximo mês. Não é um crédito para se utilizar indefinidamente. Nos 8% de juros mensais (em média), devem ser embutidos o período que ficou sem juros. É essa a conta justa. Pretendemos reforçar, em campanhas, que o crédito rotativo do cartão é um crédito emergencial. O banco não tem interesse nenhum que o cliente fique inadimplente.

O setor é cartelizado? Você tem uma série de bandeiras. Obviamente, as duas bandeiras que mais se destacam é a Visa e a Mastercard. Mas você tem o American Express, a antiga Diners, que está junto com a Mastercard, além da bandeira nacional, o Hipercard.

Mas a Visa e a Redecard dominam o mercado. Sim, mas com o fim da exclusividade, acredito que teremos um potencial de crescimento grande. O Brasil está em destaque. Existe um espaço grande para outros participantes. Não tem impeditivo nenhum para que isso aconteça.

A falta de concorrência prejudicou o consumidor? Estamos num processo muito interessante da evolução dos meios de pagamentos. Talvez o cartão seja o ator principal desse processo. Qual a vantagem? Além do aspecto segurança, o cliente não precisa carregar dinheiro, o cartão traz conveniência. O cartão é uma indústria em processo de maturação.

O BC quer quebrar a cadeia. Quem fornecer a máquina para o lojista não poderia emitir o cartão. Como o senhor vê isso? Na maioria das vezes, quem faz a questão do credenciamento é uma empresa terceirizada, que responde ao adquirente. Mas, nesse caso, é um processo mais delicado porque quando se mexe com a cadeia, de uma certa maneira corre-se o risco de trazer uma ineficiência operacional. Quando a cadeia é uma coisa só ¿ e a questão do credenciamento é uma parte pequena desse processo ¿ você tem um ganho de eficiência operacional, pois tudo está embaixo de uma mesma empresa. Na minha opinião, não faz muito sentido essa mudança.

O senhor não vê essa quebra de cadeia como um processo que pode resultar em menor custo para o lojista e o consumidor? Não. Pode, inclusive, trazer incremento de custo para a indústria e esse custo acaba indo para a formação de preço e, claro, repassado.