Título: Desacordo total
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 29/11/2011, Ciência, p. 30

Na reunião do clima, UE propõe novo protocolo para 2020, mas não há consenso

Debaixo de uma torrencial tempestade, que alagou partes da cidade e deixou oito mortos, a Convenção do Clima das Nações Unidas começou ontem em Durban, na África do Sul, sob o signo do desacordo, apesar do apelo do presidente Jacob Zuma para que os interesses nacionais fossem postos de lado "em nome de um bem comum". Na mais concreta proposta apresentada ontem, a União Europeia pediu oficialmente a prorrogação do Protocolo de Kioto e a elaboração de um novo acordo climático para entrada em vigor em 2020. Não houve consenso. Por razões diversas, Estados Unidos e muitos países em desenvolvimento ficaram contra a proposta.

- Está ficando claro que não temos, como pensavam os mais radicais, uma divisão entre pobres e ricos, entre desenvolvidos e em desenvolvimento. A verdade é que não há consenso em nenhum grupo - avalia o cientista político Sérgio Abranches, autor de "Copenhague: antes e depois", que acompanha a reunião em Durban. - Está muito difícil de haver conciliação.

O Protocolo de Kioto - o acordo assinado por 37 países desenvolvidos para a redução das emissões de gases do efeito estufa - expira em dezembro do ano que vem, deixando o mundo num vazio legal climático.

A UE condiciona a prorrogação do acordo à elaboração, em 2015, de um novo protocolo - incluindo compromissos por parte de países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil - para entrada em vigor até 2020. Canadá, Japão e Rússia já anunciaram, por sua vez, a saida de Kioto. E os EUA, que nunca ratificaram o acordo, tampouco aceitam sua prorrogação. As nações mais vulneráveis, como os insulares, alegam não poder apoiar a proposta da UE porque uma espera de quase dez anos as condenariam ao desaparecimento.

- Não vamos apoiar essa demora que estão propondo muitos dos países ricos porque é inconsistente com a ciência - rejeita o chefe das negociações financeiras da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, Selwin Hart.

Aumento supera os 3 graus Celsius

De fato, a proposta aprovada há dois anos em Copenhague de limitar a elevação da temperatura global a 2 graus Celsius já é considerada ultrapassada. Dada a situação atual, cientistas trabalham com um aumento de 3 graus Celsius, o que, segundo os modelos atuais, faria boa parte das nações insulares submergir.

- Se a questão é climática, esse debate não faz o menor sentido - sustenta a especialista da Coppe Suzana Kahn, integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). - Já tem gente trabalhando com um aumento de 4 a 6 graus Celsius. O discurso dos negociadores não condiz com a urgência do tema.

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Eduardo Viola, há uma crise total de liderança na Humanidade e a maioria dos países se comporta de forma irresponsável no que diz respeito ao problema climático.

- Prorrogar Kioto pode ser perigoso porque cria uma ilusão de que se está fazendo algo quando, na verdade, é um acordo simbólico - alerta Viola. - Por outro lado, também sei que não há chance de se conseguir um novo acordo agora e a vantagem é que Kioto já tem uma estrutura legal negociada.

Assessor da prefeitura para a Rio+20, o economista Sérgio Besserman concorda.

- Não significa que Kioto seja o caminho ou tenha tantos méritos, mas, para evitar um vazio, o protocolo serviria como uma ponte, baseada numa estrutura já existente - compara. - Se a proposta for compreendida desta forma, acho que ela pode ser aprovada.

* Com agências internacionais