Título: Eleitores vão em massa às urnas no Egito
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 29/11/2011, O Mundo, p. 29
Com milhares de voluntários mobilizados, Irmandade Muçulmana é alvo de denúncias de irregularidades e boca de urna
NO BAIRRO de Shubra, um reduto cristão do Cairo, eleitores enfrentam uma longa fila para depositar o voto na urna: governo admitiu falhas
renata.malkes@oglobo.com.br
RIO e CAIRO. Para a Casa Branca, um dia "bastante positivo". Diplomatas britânicos preferiram destacar um caráter "pacífico e ordeiro". Entre pequenos atropelos, algumas centenas de reclamações de fraude, muita boca de urna e filas quilométricas, milhares ignoraram a chuva e foram ontem às urnas para o primeiro dia do longo processo eleitoral, histórico, que vai eleger o primeiro Parlamento livre do Egito após a queda do ditador Hosni Mubarak. Os primeiros sinais de um surpreendente alto índice de comparecimento já eram visíveis quando as zonas eleitorais foram abertas, às 8h. Homens, mulheres, jovens e idosos - muitos dos quais votavam pela primeira vez - levaram até as crianças para as zonas eleitorais. O clima de insegurança, incerteza e protesto no rastro da morte de 41 pessoas em choques com o Exército na semana passada foi deixado para trás. E mesmo quem ainda duvida do papel central do Supremo Conselho das Forças Armadas (SCAF) na gestão do Egito, e até do processo eleitoral que vai se arrastar até março, preferiu ontem apostar em um pragmatismo otimista.
- Foi uma eleição livre para um Parlamento não livre, subjugado aos militares - disse ao GLOBO a jornalista egípcia Yasmine el-Rashidi, autora de "A Batalha pelo Egito". - Mas o importante agora é dar mais poder ao povo. Demorei seis horas na fila em Zamalek para depositar meu voto. O comparecimento e a organização foram incríveis; vi uma determinação das pessoas em participar da democracia jamais vista. A mensagem na fila era "não vamos desistir".
Alto comparecimento estende votação em 2 horas
O comparecimento foi tão alto que, à tarde, os militares decidiram estender em duas horas o horário de votação. De acordo com a ONG Conselho Nacional de Direitos Humanos do Egito, foram registradas 391 queixas de irregularidades. A maioria ligada à panfletagem e boca de urna - proibidas pela lei. O maior infrator seria o Partido Justiça e Liberdade (PJL), o braço político do grupo islâmico Irmandade Muçulmana que, segundo imagens postadas no Twitter, colocou milhares de ativistas nas ruas e chegou a montar stands de campanha em frente às sessões eleitorais. Bem organizado, o grupo deve ter um bom desempenho, e o vice-presidente do PKL, Essam el-Erian, voltou a garantir que seu partido é a favor de um Egito "forte, independente e democrático".
- A religião oficial do Egito, segundo a Constituição, é o Islã, e a lei islâmica, a principal base de legislação. (A aplicação da sharia) será decidida pelo Parlamento. Terá que ser do gosto do povo egípcio, moderado, que rechaça o extremismo e as interpretações exageradas de outros países - explicou el-Erian.
Ontem e hoje egípcios de nove províncias vão às urnas - cerca de 16 milhões de eleitores aptos a votar. Em jogo, segundo a divisão distrital, há 168 das 498 cadeiras da Assembleia do Povo, a câmara baixa do Parlamento. Nas filas, brincadeiras, piadas, discussões acaloradas e até piqueniques improvisados.
Segurança das sessões durante a noite preocupa
Em Alexandria e Port Said, a votação também transcorreu com entusiasmo - apesar das mesmas denúncias de pequenas fraudes e muitos atrasos. O presidente do Supremo Comitê Eleitoral, Abdel Moaz Ibrahim, admitiu que houve falhas pela manhã, quando muitos chefes de seções se atrasaram. Houve ainda problemas logísticos, como falta de cédulas em alguns distritos - atribuídas a um problema no Ministério do Interior.
A votação continua hoje em 18.836 urnas, e os resultados devem ser anunciados já amanhã, uma vez que haverá um segundo turno nos próximos dias 5 e 6 caso não haja vencedores absolutos (50% dos votos mais um).
- Foi melhor que o esperado, mas o processo é longo. Há dúvidas sobre a segurança das urnas durante a noite entre os dois dias de votação e não sabemos como os resultados de cada etapa vão influenciar as etapas seguintes do processo - advertiu o cientista político Mustapha Kamel al-Sayyid, da Universidade do Cairo.
Com agências internacionais