Título: Estímulo na primeira infância, benefícios para a vida inteira
Autor: Benevides, Carolina; Ribeiro, Marcelle
Fonte: O Globo, 28/11/2011, O País, p. 4

Crianças que frequentam creche e pré-escola têm mais sucesso escolar; déficit de vagas é grande

RIO e SÃO PAULO. Crianças estimuladas nos primeiros anos de vida e que passam pela educação infantil têm mais chances de ter bons resultados no ensino fundamental, de concluir a educação básica e de contribuir para quebrar o ciclo de pobreza no país, afirmam especialistas em educação. No entanto, nem todas conseguem essa oportunidade. No Brasil, cerca de 10 milhões de crianças de 0 a 3 anos não têm acesso a creches. Para acabar com o déficit, segundo a Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), é necessário construir 12 mil unidades.

- Estudos mostram o impacto dos anos iniciais. Mas a educação infantil tem que ser de qualidade. Creche ruim não adianta. É preciso que creches e escolas tenham paciência para investir nas crianças. Não adianta ter um adulto para cuidar de seis. É útil quando elas são estimuladas, quando começam a ter noções de limite, passam a ouvir histórias, se interessam por livros e aprendem a conversar - afirma João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beta.

Professora de Políticas Públicas e Linguagens da Infância da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Angela Barbato Carneiro diz que o aprendizado em creches e pré-escolas ajuda no desenvolvimento cognitivo, físico e nas atividades relacionadas à criatividade, socialização e memória:

- A criança estará submetida a um processo de estimulação que ajudará na alfabetização, na coordenação motora, na observância de regras e na criatividade. Terá mais condições de desenvolvimento. Os pais, às vezes, não contam histórias, não leem livros, e a criança fica à margem desse estímulo.

- Ela (a criança) já chega ao ensino fundamental mais preparada e, por conta disso, tem melhor desempenho e mais oportunidade de terminar esse ciclo - diz Maria Regina Maluf, professora de Psicologia da Educação da PUC-SP.

12 mil vagas a menos em SP

Mãe de duas meninas, Cristiane Yokogama, moradora de Niterói, no Rio, decidiu que as filhas iam para escola bem cedo. Mônica, a primogênita, começou com 1 ano e 8 meses. Julia foi um pouco antes, com 1 ano e 7 meses. Hoje, elas estão com 8 e 5 anos e cursam, respectivamente, o 3º ano do fundamental e o jardim III.

- Quando eram menores e foram para a escola, eu tinha disponibilidade para ficar com elas, mas acreditava que teriam mais ganho na escola do que só comigo ou com uma babá. As duas entraram no maternal, começaram a se desenvolver, a aprender a viver socialmente e tiveram aprimoradas as qualidades que já tinham. São meninas responsáveis, que não jogam, por exemplo, um papel no chão. Além disso, começaram cedo a ter contato com livros - conta Cristiane, lembrando que na época a família achou um exagero matricular as crianças tão novas:

- Minha mãe e minha sogra recriminavam, diziam que elas deviam ficar em casa. Mas eu sabia do ganho que teriam, com hora para brincar, para fazer atividades, sabia que ali estava a base que ia formá-las.

- Logo vi que a escola fez meu filho dar um salto em relação a outras crianças e acredito que isso se refletirá no futuro. Agora, não é qualquer escola que oferece isso. Se não tiver o cuidado necessário, se a criança for negligenciada, não adianta. Outro problema é que as escolas são caras, custam o preço de uma faculdade. O ideal seria que a rede pública desse mais atenção ao pré-escolar, que esse ensino fosse democratizado - diz Angela Guimarães, mãe de Ian, de 4 anos, na escola desde 1.

Na cidade de São Paulo, de 2005 a 2010, o número de crianças de 0 a 3 anos matriculadas nas creches públicas teve um aumento de 120%, mas atualmente cerca de 174 mil menores de 4 anos esperam por uma vaga, segundo a Secretaria municipal de Educação. Hoje, há 196 mil crianças com menos de 4 anos frequentando creches do município ou conveniadas. Na pré-escola, a demanda é de 12 mil vagas na capital.

- Já tentei vaga nas escolas e creches municipais, mas não consegui, o horário não bateu. Consegui vaga para o Breno num lugar e para os outros, em outro lugar, mas por causa do horário de entrada, não conseguiria levá-los - conta Erbene Kinara Soares, de 32 anos, mãe de Brayan, de 1 ano, Emily, de 4, e Breno, de 6.

Moradora da favela Peri Alto, na Zona Norte de SP, Deise Monteiro, de 25 anos, mãe de cinco crianças de 8 a 2 anos, não trabalha por não ter onde deixá-los:

- Quando consigo um bico como faxineira, deixo com uma vizinha e dou um dinheirinho para ela. Eles são espertos, podiam estar estudando.

Mãe da pequena Maria Fernanda, de 2 anos, a psicopedagoga Paula Pereira de Almeida Leite optou por matricular a filha numa escola particular de período integral em São Paulo, a Santo Américo, para que ela fosse estimulada a interagir socialmente e diz que já vê resultados.

- Queria que a minha filha estivesse em contato com crianças, aprendesse a dividir, e entendesse como é ter relações com pessoas fora da família. Ir para a escola faz com que ela aprenda o que é ter rotina. O vocabulário da minha filha triplicou, ela aprendeu a se relacionar - diz Paula.

Também de olho no futuro, a vendedora Karen Morais Mendes esperou por dois anos uma vaga em uma creche gratuita mantida pelo colégio particular Santo Américo. Ela acreditava que o filho Leonardo, hoje com 4 anos, ia se desenvolver melhor na escola do que em casa, aos cuidados da avó:

- Ele já sabe as cores, os números e conta histórias. Se estivesse em casa, minha mãe não poderia dar toda a atenção que uma escola pode dar, porque ela tem que cuidar da casa e não tem a mesma paciência que os profissionais da creche - conta Karen.

No Rio, onde a Secretaria municipal de Educação tem 701 escolas que atendem até a pré-escola, um estudo comprova os benefícios para os pequenos que começam a vida escolar mais cedo.

- Uma pesquisa mostrou que 70% dos que fizeram pré tiveram um nível de letramento além do esperado - conta Simone de Jesus Souza, gerente de Educação Infantil da prefeitura. - Outros estudos apontam que na primeira infância está a possibilidade de reduzir as diferenças socioeconômicas, e que as crianças que têm essa vivência têm a chance de uma vida escolar mais exitosa.