Título: Multas que não doem no bolso
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 27/11/2011, Economia, p. 33

Ao todo, 17 órgãos federais aplicam penalidades mas deixam de arrecadar R$23 bi

Eliane Oliveira, Mônica Tavares e Geralda Doca

Não importa em quanto a petrolífera americana Chevron será multada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pelo Ibama - que já lavraram autos de R$150 milhões contra a companhia - por ter causado vazamento de óleo no litoral fluminense. A possibilidade de o governo receber todo o dinheiro é remota e menos ainda de o consumidor brasileiro ser de alguma forma ressarcido ou beneficiado. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) revelam, em números, a ineficiência crônica da maioria absoluta dos 17 órgãos federais com poderes reguladores ou fiscalizadores, incluídos ANP e Ibama. Somente no período de 2008 a 2010, foram aplicados por eles R$24,030 bilhões em multas. O total arrecadado, no entanto, ficou em R$1,1 bilhão, ou 4,7%. O restante está sendo questionado na morosa Justiça brasileira.

Presente nas grandes obras de infraestrutura e logística, o Ibama foi a entidade pública federal que, nos últimos três anos, menos arrecadou as multas que aplicou. De um total de R$10,5 bilhões, só recuperou R$36 milhões, ou 0,3%. Segundo relatam os auditores do TCU, ao mesmo tempo, o Ibama apresentou o valor mais elevado de multas entre todas as instituições levantadas. A ANP aplicou R$502 milhões no período de 2008 a 2010, mas só arrecadou R$78 milhões. Procurados, Ibama e ANP não comentaram.

Esse quadro não é menos preocupante nos setores de energia, aviação civil, telecomunicações, petróleo e gás e transportes, que concentram a maior parte dos investimentos em infraestrutura atualmente em curso no Brasil. Anac (aviação civil), Anatel (telecomunicações), ANP (petróleo), Aneel (energia elétrica) e ANTT (transportes terrestres), agências nacionais encarregadas de regular e fiscalizar a oferta desses serviços essenciais que afetam diretamente a vida dos brasileiros, deram multas no valor de R$7,4 bilhões. No entanto, o recolhimento efetivo foi de R$464 milhões, 6,3% do total.

Entre as grandes, Anatel é a pior

O desempenho só não é pior porque a Anac se destaca, com índice de recuperação de 40,2%. Entre as cinco grandes, a Anatel - que atua em telecomunicações, setor que mais se expande - tem o pior resultado, com indicador de 4,3% de recuperação.

Especialistas e técnicos do governo apontam um conjunto de fatores que reforçam a ineficiência dos órgãos reguladores e fiscalizadores brasileiros: orçamento apertado; falta de pessoal técnico; ausência ou pouca transparência; legislação frouxa, às vezes com lacunas quanto à própria punição e que necessita de multas mais apertadas; pequena estrutura de procuradoria jurídica; e excesso de indicações políticas.

- As agências são Estado e não governo. Sua finalidade é manter a competição saudável, com disciplina jurídica. Por isso, devem ser mais bem equipadas e agir sem interferência e indicações políticas para seus gestores - afirma o economista Ruy Coutinho, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

As agências monitoram setores oligopolizados, formados após a quebra do monopólio estatal. São áreas altamente concentradas em que o consumidor não dispõe de alternativas e precisa conviver com os serviços, sejam eles bons ou maus.

Um caso emblemático é o da Anac. Técnicos do próprio governo reconhecem que a agência não está preparada para a quebra do monopólio da Infraero, com gestores privados assumindo grandes aeroportos, com o leilão dos terminais previstos para o início de 2012. Além de ter de mudar normas e de se organizar internamente, faltam servidores.

A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolcci, considera fracos os instrumentos de que as agências dispõem para regular e fiscalizar. Para ela, além de as companhias poderem recorrer em várias instâncias das multas aplicadas, significando um longo processo, ainda conseguem reduzir os valores na Justiça:

- Do ponto de vista dos consumidores nada muda, as empresas continuam prestando serviço de má qualidade e eles acabam não sendo beneficiados por essas multas.

O consultor e ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros concorda e se diz favorável a outras punições, como suspensão dos serviços das empresas, medida que já tem sido aplicada por alguns reguladores:

- Sempre tem uma falha processual e na esfera judicial tem o efeito suspensivo até o julgamento.

As estatais são as que mais recorrem das multas aplicadas pela Aneel, diz o diretor da agência, Edvaldo Santanna. Furnas é um exemplo conhecido no órgão. Outro problema é a limitação das multas. O máximo que pode ser aplicado pela ANP e a Anatel, por exemplo, é de R$50 milhões. Já a multa máxima estabelecida pela lei antitruste para ser aplicada pelo Cade é de 1% a 30% do faturamento do infrator. Mas, se a presidente Dilma Rousseff mantiver o texto do novo marco aprovado no Congresso, o teto cairá a 20%.

Algumas agências começam a perceber a ineficácia de seus instrumentos para punirem empresas. O professor Nivalde Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, afirma que a Aneel está iniciando nova fase na regulação no setor:

- A Aneel está começando a terceira fase de regulação e fiscalização, com a revisão tarifária, controlando a qualidade com uma visão de consumidor.

A Anatel vai alterar os seus regulamentos de fiscalização e sanções. O objetivo é tornar os processos mais rápidos e eficazes. O ex-diretor da Anatel Tito Cerasoli acredita que as mudanças no setor vão trazer benefícios para os consumidores. As empresas serão obrigadas a investir na prestação do serviço, melhorando a qualidade para os usuários.

No levantamento do TC aparecem também órgãos que salvam a reputação fiscalizadora da União. A Agência Nacional de Águas (ANA) e o Inmetro apresentam índices de recuperação de multa de 93,9% e 88,2% do total aplicado, respectivamente.

Entre 2008 e 2010, a ANA recebeu R$25,29 mil dos R$26,94 mil aplicados. Já o Inmetro foi o que mais arrecadou entre as 17 instituições públicas federais. Em um universo de 226.115 multas, no valor de R$380,8 milhões, foram recuperadois R$335,8 milhões.

De acordo com o procurador-geral do Inmetro, Marcelo Silveira Martins, o órgão também foi o que mais inscreveu os devedores no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin):

- O relatório confirma a eficiência das ações preventivas.