Título: A Galega que comanda a casa e a vida de Lula
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 27/11/2011, O País, p. 14

Desde que o ex-presidente ficou doente, Marisa não sai do lado dele e decide quem pode visitá-lo, para evitar excessos

SÃO PAULO. - Quando aparecer uma viúva loira, me chamem.

Luiz Inácio Lula da Silva deu o recado, em tom de brincadeira, aos companheiros do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Depois de três anos amargando a morte da mulher, Lourdes, e de seu filho recém-nascido, Lula não queria mais ficar sozinho. Numa tarde de 1973, a loira apareceu.

Marisa Letícia Rocco Casa ia ao sindicato, a cada três meses, carimbar documentos para receber a pensão do marido, morto em um assalto. Quando descobriu a viúva, Lula correu para atendê-la. Deixou cair um documento de identidade que mostrava que também era viúvo e começou a conversa. Tanto fez que se casou com ela sete meses depois, em maio de 74.

"Ela manda, e ele obedece"

Nascia assim a Galega, como Lula vem chamando a mulher há mais de 30 anos. Era para a Galega que Lula entregava, diligentemente, todo o salário que recebia como metalúrgico. Foi a Galega que permitiu aos sindicalistas do ABC transformarem sua casa em ponto de reunião contra a ditadura. Foi a Galega que acordou, no meio da noite, com a polícia arrastando seu marido para lugar incerto. E é ainda a Galega, hoje com 61 anos, quem comanda a casa e a vida do ex-presidente da República depois de dois mandatos.

- Não teria pessoa melhor para fazer a barba e raspar a cabeça de Lula. Raspar a cabeça em um caso de câncer não é como no vestibular: é um momento muito difícil - diz o cabeleireiro Wanderley Nunes, amigo da família, que chegou a se oferecer para ajudar Lula na tarefa de se antecipar aos efeitos do tratamento de quimioterapia contra o câncer na laringe.

Marisa é querida e temida pelos "companheiros e companheiras" do PT e do Sindicato dos Metalúrgicos. Desde que Lula ficou doente, ela decide quem visita ou não o marido, para evitar excessos. Não sai do lado dele um minuto, no hospital ou em casa. O ex-ministro Paulo Vanucchi, amigo da família, chegou a dizer que ela tem sido "a boa samaritana", cuidando, ao mesmo tempo, de Lula e do filho mais velho, Marcos, que fez uma cirurgia na bacia e está em casa, em recuperação.

- É ela quem manda. E ele obedece. Dona Marisa se dedica a Lula e à família inteira. É o alicerce de Lula - diz o cardiologista Roberto Kalil, médico de Lula há 20 anos.

Há quase dois meses, foi Kalil quem contou ao casal que Lula estava com câncer. O ex-presidente sentia um incômodo na garganta e uma rouquidão maior que a habitual fazia 40 dias. Mas estava com medo do resultado, queria protelar os exames até janeiro. Marisa forçou o marido a levá-la ao hospital Sírio Libanês para fazer uma tomografia. Enquanto ele a esperava, foi convencido por Kalil a passar pelos testes que detectaram o câncer.

A Galega dá broncas em Lula por causa de sua saúde e é do tipo que coloca a família em primeiro lugar. Sempre se preocupou se o marido estava fumando muito, mas nunca parou de fumar. Dias depois de ficar sabendo do câncer, foi flagrada na janela do apartamento de São Bernardo com um cigarro na boca.

- Ela fuma muito. Esse foi um dos motivos de fazer plástica. Porque, quando a gente fuma, fica com rugas ao redor da boca - conta a irmã caçula de Marisa, Teresa Otília Casa, para quem a irmã "fez muitas plásticas" desde que o marido era deputado, nos anos 80:

- Ela já fez nos olhos, lábios, seios e abdômen.

A vaidade de Marisa e seu gosto por cores fortes, especialmente o vermelho, contrastam com seu estilo silencioso. Nos dois mandatos de Lula, de 2003 a 2010, disse poucas palavras em público. Mas nunca deixou de acompanhá-lo.

Filha de um casal de agricultores de origem italiana, Marisa começou a trabalhar ainda criança, assim como seus dez irmãos. Aos 9 anos, era babá na casa de uma professora. Aos 14, virou operária de uma fábrica de doces de São Bernardo. Uma infância sem estudo nem luxo.

- Para o meu pai, os filhos não podiam estudar, e as filhas só podiam fazer até o quarto ano primário. Foi isso que nós estudamos - conta Teresa Otília.

Aos 19 anos, Marisa se casou com um metalúrgico que fazia bicos à noite, no táxi do pai. O marido foi morto poucos meses depois, deixando Marisa grávida. Ela voltou para a casa da mãe, Dona Regina, e arrumou um serviço de inspetora de alunos numa escola do bairro. Apesar de algumas paqueras, estava decidida a criar o filho, Marcos, sozinha. Até conhecer Lula, um sindicalista em início de carreira que ela nunca imaginou que se tornaria presidente da República.

Autora de "Lula, o filho do Brasil", a biógrafa Denise Paraná conta que, desde o início, Lula nutriu um amor de pai pelo filho de Marisa. Era como se fosse o filho que ele perdeu, enquanto a mulher esperava o parto em um hospital de São Paulo:

- Lula já o tinha como filho. Mas o próprio Marcos, aos 9 anos de idade, pediu para que ele o adotasse oficialmente.

Lula adorou.

Antes de conhecer Marisa, Lula conheceu o então sogro dela, Seu Cândido, taxista. Foi ele quem falou da nora, a loira recém-viúva e com uma criança que teria a mesma idade do filho de Lula se ele tivesse sobrevivido. Hoje, Marisa cuida em sua casa da ex-sogra, dona Marília, assim como de uma irmã adotiva, Joana.

Além de Marcos, dona Marisa teve outros três filhos: Fábio, Sandro e Claudio. Em todos os partos, foi sozinha para o hospital porque Lula estava viajando ou trabalhando, conta Denise Paraná. Era uma luta diária e, quase sempre, solitária.

- Uma mulher comum não aguentaria. Marisa aguentou pela sua personalidade e por ter vivido, antes de conhecer Lula, momentos muito difíceis - diz a biógrafa.