Título: Frete do pó a 4 mil dólares
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 01/09/2009, Brasil, p. 12

PF prende boliviano que transportou quase meia tonelada de cocaína até o interior de Goiás em um avião. Comparsa segue foragido. A aeronave usada pelos traficantes e apreendida pela Polícia Federal estava bastante avariada. Em seu interior, os bancos haviam sido retirados para armazenar até 500kg de cocaína

A Polícia Federal (PF) prendeu um dos pilotos que fazem a rota Bolívia-Goiás e entregam cocaína proveniente do país vizinho diretamente a fazendas no interior do estado. O homem, um boliviano de 51 anos, recebeu US$ 4 mil para fazer o transporte. Seu depoimento à PF será essencial para que os investigadores conheçam melhor as rotas alternativas que os traficantes têm utilizado para trazer entorpecentes ao Brasil. Outro piloto está sendo procurado em uma área de floresta próxima a Rondonópolis (MT), onde ambos pousaram o avião que foi interceptado por caças Tucano da Força Aérea Brasileira (FAB) na semana passada, quando a PF apreendeu 465 quilos da droga em Caiapônia (GO), a 435km de Brasília.

Investigadores da PF ainda estão tomando depoimentos do piloto preso, mas admitem que será difícil conhecer a identidade dos chefes dos cartéis bolivianos, já que o detido deve ter sido contratado por laranjas para conduzir o avião até Goiás. Mas os agentes esperam saber a origem da cocaína apreendida na fazenda goiana. Uma das suspeitas é que seja proveniente de Chapare (1), região de produção de folha de coca na Bolívia. O teor de pureza da droga levou os agentes federais a considerar que o pó seria refinado em laboratórios clandestinos dentro do Brasil e, depois, distribuído na Região Sudeste.

Após uma busca de quase uma semana em fazendas nas redondezas das cidades de Santo Antonio do Leverger e Itiquira, na região do pantanal matogrossense, policiais federais encontraram o piloto boliviano debilitado. O homem contou aos agentes que, após ser abordado pelo caça da FAB, fez pouso forçado em uma clareira. Ele e seu companheiro conseguiram fugir se embrenhando na floresta. Em certo trecho, os dois se separaram. O preso contou que pernoitou em uma casa abandonada em uma fazenda. Um funcionário da propriedade o encontrou e o levou até a sede, onde a PF o deteve.

Cessna

Os policiais encontraram a aeronave, um Cessna 206, no último fim da semana, com muitas avarias. Antes de chegar a Mato Grosso, os pilotos haviam deixado a cocaína na fazenda próxima a Caiapônia, onde desceram em uma pista rudimentar. O avião tinha seu tanque de combustível adaptado para dar maior autonomia de voo, segundo revelou o delegado de Repressão a Entorpecentes da PF de Goiás, Deuselino Valadares. Além disso, para suportar um peso de até 500 quilos de cocaína, foram retirados os bancos traseiros, restando apenas os assentos do piloto e do copiloto.

Sobre o transporte da cocaína do território boliviano para fazendas do interior de Goiás, inclusive próximas ao Entorno do Distrito Federal, o piloto boliviano preso pela PF contou pouco. Disse apenas que recebera US$ 4 mil para cumprir a rota, cujo trajeto é feito em quatro horas. Ele deverá ser encaminhado para Goiânia, onde responderá por tráfico internacional de drogas, cuja pena pode chegar a 12 anos de cadeia.

1 - Ecoturismo As suspeitas de que a droga apreendida em Goiás vem de Chapare, na Bolívia, se dão pelo fato de a região ser uma das maiores produtoras de folha de coca do país vizinho. A área também é conhecida por ser um grande polo de ecoturismo, com vasta vegetação, rios, cachoeiras e montanhas. Localizada ao norte de Cochabamba, Chapare é a terra natal do presidente boliviano, Evo Morales. Em 22 de agosto, o estado recebeu uma visita ilustre: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Prejuízo é mínimo

O avião Cessna 206 apreendido em Caiapônia, no interior de Goiás, custa em torno de US$ 130 mil (cerca de R$ 250 mil), valor insignificante para o narcotráfico. A apreensão da aeronave normalmente já está calculada no prejuízo que as quadrilhas podem ter. Muitas vezes, o avião é roubado ou alugado, uma nova forma de atuação dos traficantes, que estão evitando adquirir bens nos próprios nomes ou utilizam laranjas. Segundo investigações da Polícia Federal, o novo método nos últimos meses tem sido arrendar propriedades ou alugar veículos para o armazenamento e transporte da droga.

Segundo o delegado de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal em Goiás, Deuselino Valadares, os traficantes evitam adquirir bens, como acontecia até o ano passado. ¿Eles preferem arrendar fazendas, sítios ou outras propriedades rurais, além de carros, para ajudar a despistar¿, afirma o policial. Para outro delegado, o coordenador-geral de Repressão da PF em Brasília, Luiz Cravo Dórea, o novo método também tem outra finalidade. ¿Antes, os traficantes compravam imóveis ou veículos, mas quando eram descobertos, era tudo tomado pela Justiça. Agora, eles também querem evitar a perda dos bens determinada pela Justiça.¿

Raramente, bens de traficantes são levados a leilão com rapidez. Há casos em que veículos se deterioram nos pátios da Justiça ou da PF. O governo estuda, há pelo menos dois anos, um projeto que permita ao Estado utilizar ou alugar imóveis do crime organizado até que a sentença do criminoso tenha transitado em julgado (quando não há mais nepossibilidade de recurso). Caso haja absolvição, acusado recebe os bens com as correções monetárias. A proposta é polêmica e divide autoridades. (EL)