Título: Mutirão do CNJ libertou 21 mil pessoas que estavam presas irregularmente
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 26/11/2011, O País, p. 4
Programa concedeu 41,1 mil benefícios; 279 mil processos foram revisados
BRASÍLIA. O programa Mutirão Carcerário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), permitiu a libertação de 21 mil pessoas que estavam presas irregularmente no país em 2010 e 2011. Entre as principais irregularidades havia detentos que, embora já tivessem cumprido a pena, continuavam encarcerados. No mesmo período, o programa concedeu 41,1 mil benefícios aos quais os presos tinham direito, mas que não eram postos em prática - como progressão de regime e liberdade condicional.
- Eu não conheço alguma coisa análoga no mundo que resultou na reparação de tantas prisões ilegais - comentou o presidente do Conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, em evento realizado ontem para divulgar o balanço.
Nos últimos dois anos, o CNJ revisou 279 mil processos criminais e inspecionou presídios, cadeias públicas e delegacias de 25 unidades da federação. Nas visitas, foram identificados problemas como falta de higiene, inexistência de atendimento médico aos presos, casos de tortura e precariedade das instalações. O Conselho também verificou que menos de 14% dos presos trabalham e que apenas 8% estudam.
Segundo dados do Conselho, dos 475 mil presos no país, 43% são provisórios - ou seja, ainda não foram julgados e, portanto, não foram condenados. Do total de presos, 94 mil estão em regime fechado, 20 mil em regime semi-aberto e o restante cumpre pena em regime domiciliar.
O déficit de vagas no sistema prisional é de 147 mil. O CNJ verificou grave superlotação em Mato Grosso. No estado, havia estabelecimentos com mais de três presos por vaga no fim de 2010. Em Cuiabá, o CNJ encontrou presos dentro de contêineres de metal. As estruturas tinham grades no lugar do teto.
Em Pitões, na Paraíba, foi identificada uma pessoa condenada a três anos e dez meses, mas que passou mais de sete anos na cadeia, por falta de controle da Vara de Execução Penal. Essa deficiência foi encontrada em vários estados. Segundo Peluso, muitas vezes o Judiciário não está capacitado para calcular corretamente o tempo da pena, além de não ter estrutura suficiente para fiscalizar o tempo de cumprimento. É o caso de Fortaleza, onde foram libertados 20% dos presos com processos analisados. A situação também é crítica no Paraná, em Santa Catarina e em Goiás.
Também foram ouvidos casos de tortura, especialmente na Bahia. O CNJ encaminhou relatórios para o Ministério Público local, que deverá apresentar denúncia formal à Justiça. No mesmo estado, foi encontrada total falta de atendimento médico aos presos. Na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, um preso tinha a perna gangrenada devido a uma ferida aberta sem tratamento.
Os maus tratos não são feitos apenas por agentes carcerários. Na Cadeia Pública de Pinheiros, no Maranhão, o CNJ fotografou dois presos decapitados após uma rebelião.
- Essas pessoas que morreram foram executadas. É como se tivesse sido aplicada a eles a pena de morte, que não existe no sistema - afirmou o ministro.
No Presídio Aníbal Bruno, em Pernambuco, o maior do Brasil, os detentos tinham as chaves das celas e controlavam a circulação das pessoas. Segundo relatórios do CNJ, os agentes penitenciários não ousavam desobedecer as regras estabelecidas pelos encarcerados, por medo de retaliação.
Segundo o ministro, todos os presos que sofreram injustiças têm o direito de processar o poder público para obter danos morais e materiais. No entanto, apenas um pequeno percentual procede desta forma, por falta de recursos financeiros para contratar um advogado. Peluso afirmou que, com a maior equiparação das defensorias públicas, esse cenário vai mudar.
O ministro disse que os casos de irregularidades que podem ser atribuídos a juízes foram encaminhados a corregedorias estaduais e à Corregedoria Nacional de Justiça, ligada ao CNJ. Alguns magistrados já foram punidos - como, por exemplo, a juíza que permitiu a prisão de uma menor de idade em uma cela com homens, no Pará.