Título: Vamos dar aos pais a possibilidade de decidir
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 01/12/2011, O País, p. 9

Quatro ministros do STF consideram inconstitucional punição a emissora que exibir programa fora de horário autorizado

BRASÍLIA. Quatro dos dez ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram ontem inconstitucional parte da legislação que prevê punição a emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário diferente do autorizado pelo Ministério da Justiça. Eles argumentaram que a norma fere a garantia constitucional da liberdade de expressão, pois limita as empresas a seguir recomendação imposta pelo poder público. O julgamento foi interrompido por pedido de vista. Se a tendência for mantida, as emissoras poderão escolher o horário para exibir qualquer programa, desde que informem a faixa etária indicada.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a emissora que descumprir a classificação indicativa estabelecida pelo Ministério da Justiça está sujeita ao pagamento de multa, e, em caso de reincidência, a programação pode ser retirada do ar por até dois dias. O relator do processo, ministro José Antonio Toffoli, foi o primeiro a votar. Ele considerou a norma um "abuso constitucional". Para ele, os pais teriam o dever de controlar o acesso à TV por parte dos filhos; e as emissoras teriam o direito de escolher o que veicular:

- Não cabe ao Estado atuar como protagonista na definição do que deve ou não ser veiculado na televisão. (Como se) o povo brasileiro não tivesse a dignidade, como ser humano, de fazer suas opções pessoais e precisasse de um guia, um agente, para impor suas vontades. Vamos dar ao povo, aos cidadãos, aos pais, a possibilidade de decidir. A liberdade de expressão também exige responsabilidade em seu exercício. São as próprias emissoras que devem proceder ao enquadramento de sua programação, e não o Estado.

Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto concordaram com Toffoli. Eles rebateram o argumento de que a classificação indicativa é uma forma de proteção à juventude por parte do poder público, como determina a Constituição. Em seguida, Joaquim Barbosa pediu vista. Ao fim do julgamento, ele disse que só devolverá o caso ao plenário em 2012.

- Se tem aqui uma situação de ameaça à liberdade e, portanto, não apenas de uma mera indicação. Essa informação de que não haveria controle, mas mera indicação para a defesa da família, é um absurdo. A família é composta de pessoas livres, que podem, devem e têm a obrigação de fazer o seu cuidado com relação aos seus menores - disse Cármen Lúcia. - A família e as pessoas responsáveis pelos menores têm um ótimo mecanismo: desligue-se a televisão. O Estado não pode viver tutelando as pessoas.

- Proteger a família em que medida? Substituindo a família? Decidindo por ela? O Estado não foi autorizado a tutelar ninguém, sobretudo no plano ético - completou Ayres Britto.

Toffoli lembrou que, desde 2004, os fabricantes de TVs são obrigados a comercializar o aparelho com equipamento que permita ao pais bloquear conteúdos impróprios para menores.

A ação que começou a ser julgada ontem pelo STF foi proposta pelo PTB em fevereiro de 2001. Há dois anos, o caso foi para a relatoria de Toffoli. Em maio deste ano, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) pediu para integrar a ação. O advogado da Abert, Gustavo Binenbojm, comparou a norma à censura praticada na ditadura:

- Ainda pespontam no cenário jurídico brasileiro formas veladas, escamoteadas de censura. Esse é o caso da classificação de programas feitos na forma desse dispositivo impugnado.

A Advocacia Geral da União e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestaram-se contra a ação. Eles lembraram que a Constituição lista entre os deveres do Estado a proteção à criança e ao adolescente.

- A proteção da juventude não pode ser considerada inferior à liberdade de expressão. O único controle aos meios de comunicação deve ser o controle remoto - afirmou Gurgel. - O dispositivo não impede veiculação de ideias, apenas pede para as emissoras a restrição da veiculação de programas a determinados horários. Se fosse a restrição da veiculação, aí sim teríamos censura.