Título: A guerra civil de Assad
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Fonte: O Globo, 02/12/2011, O Mundo, p. 36

Para ONU, Síria já vive conflito. Europeus estendem sanções, e oposição política e militar se une

ANCARA, BRUXELAS e DAMASCO

A União Europeia estendeu sua lista de sanções contra o regime sírio sob a bênção e com uma rara parceria da Liga Árabe. A constatação feita ontem pelo chanceler britânico, William Hague, de que "existe uma conexão direta entre os acontecimentos na Síria e no Irã" expôs o isolamento de dois governos pressionados e cada vez mais isolados - mas ainda fortes aliados estratégicos. Hague acusou os iranianos de enviar ajuda ao aparato de segurança do presidente Bashar al-Assad, responsável por uma repressão brutal que, segundo a alta comissária de direitos humanos da ONU, Navi Pillay, já fez "muito mais de 4 mil vítimas". Sem meias palavras, ela também classificou a Síria como em estado de guerra civil. E as declarações ganharam mais peso diante de outro anúncio, feito na Turquia: o de que o Conselho Nacional Sírio (CNS), principal facção opositora, aliou-se ao chamado Exército Livre da Síria, formado por militares desertores, tornando oficial a militarização de uma dissidência até agora fragmentada.

- Eu havia dito que assim que houvesse mais desertores (das Forças Armadas) ameaçando pegar em armas, e disse isso em agosto no Conselho de Segurança da ONU, que haveria uma guerra civil. Neste momento, é assim que caracterizo a situação - sentenciou a comissária da ONU.

Bancos no Líbano ameaçam medidas

A violência na Síria é incessante, e ativistas garantem que ao menos 23 pessoas morreram em confrontos nas cidades de Homs, Hama e Deraa - resultado de uma greve geral convocada ontem. E nesse contexto, o Conselho de Direitos Humanos da ONU se reúne hoje em Genebra para votar uma nova condenação ao governo de Damasco, com base no relatório de uma comissão de investigação liderada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que acusou o regime de Assad de crimes contra a Humanidade.

No campo diplomático, a movimentação se concentrou na tática da punição. A União Europeia incluiu em sua já extensa lista de sanções 12 pessoas e 11 empresas sírias. Convidado especial para a reunião, o secretário-geral da Liga Árabe, Nabil el-Araby, endossou o cerco financeiro aos aliados de Bashar al-Assad. Mas, fez questão de lembrar à diplomacia europeia que os países árabes são contra qualquer intervenção militar na Síria. E, numa tentativa de resgatar o plano de paz proposto pela Liga no mês passado, mandou um recado direto a Assad.

- É possível impedir os perigos de uma intervenção estrangeira se a Síria aceitar o plano - advertiu el-Araby.

O Departamento do Tesouro dos EUA também decidiu incluir dois altos funcionários sírios em sua lista negra, Muhammad Makhluf, um tio de Assad, e Aus Aslan, descrito como influente general do Exército sírio. O vice-presidente Joe Biden insistiu, ainda, que "o mais importante é que Assad se vá". Mas, entre todas as restrições econômicas alardeadas, a mais significativa veio - ainda que extraoficialmente - do Líbano, que já votara contra as sanções da Liga Árabe.

Apesar do apoio declarado do governo de Beirute ao regime sírio, a imprensa libanesa destacou ontem a crescente preocupação dos banqueiros com ativos sírios depositados no país - estimados em US$20 bilhões pela revista "The Economist". O sistema bancário libanês teme ser punido internacionalmente pelo apoio a Damasco, que sofreria um golpe verdadeiramente duro se perdesse seu porto seguro financeiro em sua maior e mais antiga zona de influência.

- Os bancos estão fugindo de qualquer coisa que tenha ligação com a Síria, como se fosse doença, porque os EUA estão monitorando de perto - disse uma alta fonte de um banco libanês ao diário "An-Nahar".

Outro oficial corroborou:

- Todas as contas de sírios estão sob vigilância. Não se faz mais transferência de contas de clientes sírios em dólares, e outras transações precisam de aprovação especial.

Assad tenta retaliação indireta a Sarkozy

Acuado, o governo sírio lançou mão de uma pequena retaliação contra a Europa - mais precisamente a França. A agência estatal Sana informou que o país suspendeu sua participação na chamada União Mediterrânea, entidade criada em 2008 pelo presidente Nicolas Sarkozy para impulsionar a cooperação entre a Europa, o Oriente Médio e o Norte da África.

Às preocupações internacionais somaram-se temores de mais violência gerados por uma união entre o dissidente Conselho Nacional Sírio (CNS) e o Exército Livre da Síria. Formado na província turca de Hatay por um grupo de militares desertores, o bloco já assumiu a autoria de algumas ações ousadas contra bases do regime Assad.

- Foi acertado que vamos atuar em coordenação - revelou Khaled Khoja, um dos porta-vozes do CNS.

A união foi decidida num encontro pessoal do presidente do conselho, Burgan Ghalioun, com o comandante dos desertores, coronel Riad al-Asa"ad. O acordo, no entanto, é considerado perigoso porque militariza oficialmente uma oposição que, até agora, era verbal e diplomática no exterior e, na Síria, sobrevivia na forma de manifestações pacíficas.

Mas, segundo o jornal turco "Hurriyet", ambos os lados concordaram que o Exército Livre da Síria não deve orquestrar nenhum ataque contra o regime, mas limitar sua atuação "a situações defensivas".