Título: ONU cria cargo de investigador fixo para a Síria
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Fonte: O Globo, 03/12/2011, O Mundo, p. 50

Conselho de Direitos Humanos condena o país após registrar 950 mortes em novembro, mês mais sangrento do levante

GENEBRA e DAMASCO. Foi a terceira reunião de emergência dos 47 membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a Síria desde abril. E após o mês mais sangrento desde o início do levante popular por reformas o país - estima-se que 950 pessoas morreram somente em novembro - a entidade pediu que "os principais órgãos da ONU" considerem o relatório apresentado esta semana pela Comissão Internacional de Investigação sobre a Síria, comandada pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro. Com 37 votos favoráveis, o conselho aprovou uma nova resolução condenando o regime do presidente Bashar al-Assad por "violações grosseiras e sistemáticas" dos direitos humanos.

Número de crianças mortas é de pelo menos 307

A entidade também decidiu criar um novo posto, permanente: o de investigador especial para os direitos humanos na Síria. E pediu, ainda, que o relatório elaborado por Pinheiro seja encaminhado pessoalmente ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. A alta comissária para direitos humanos, Navi Pillay, chegou a defender que as potências ocidentais encaminhem denúncias de crimes contra Humanidade ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. Segundo ela, ao menos 307 crianças morreram nos últimos meses vítimas da repressão síria.

- Há uma necessidade urgente de que a Síria preste contas sobre suas ações. A repressão brutal das autoridades sírias deve ser interrompida ou poderá afundar o país em uma guerra civil total - declarou a comissária.

O texto final aprovado, no entanto, não menciona a Assembleia Geral da ONU e, principalmente, o Conselho de Segurança - única entidade com o poder de pedir a abertura de um processo no TPI.

Pillay, no entanto, insistiu em lembrar que, além das mais de 4 mil vítimas do confronto, há 12.400 pessoas refugiadas nos países vizinhos - sobretudo na Turquia.

- Diante do claro fracasso (das autoridades sírias) em proteger seus cidadãos, a comunidade internacional deve adotar medidas urgentes e eficazes para proteger o povo sírio - disse ela.

O Brasil, embora ativo na campanha pela convocação da sessão extraordinária - e pela condenação - não teve direito a voto por não ser membro do conselho atualmente. Houve seis abstenções (Angola, Bangladesh, Camarões, Índia, Filipinas e Uganda). Outros quatro países votaram contra a condenação: Cuba, Equador, China e Rússia.

Horas mais tarde, o governo de Moscou criticou duramente a resolução, ao classificá-la como inaceitável e de cunho político, visando a pressões por uma ação militar futura.

"As posições deste documento, que incluem a possibilidade velada de uma intervenção militar estrangeira sob o pretexto de proteger o povo sírio, são inaceitáveis para o lado russo. (O texto) não mostra as últimas medidas adotadas pelas autoridades sírias para estabilizar a situação, promover reformas e lançar um diálogo nacional", afirmou a Chancelaria da Rússia, através de um comunicado.

Oposição pede apoio mais concreto contra Assad

A resolução evasiva foi alvo de protestos dos dois lados envolvidos na crise. Para o embaixador sírio na ONU em Genebra, Fayssal al-Hamwi, "a ação das Nações Unidas não vai, de jeito algum, ser do interesse do povo da Síria ou tampouco vai ajudar a pôr fim à crise".

- O problema sírio só pode ser resolvido pelos sírios - declarou o diplomata. - A solução não pode vir dos corredores da comunidade internacional. São apenas resoluções que tentam colocar mais lenha na fogueira.

No outro extremo, Burhan Ghalioun, presidente do maior bloco opositor, o Conselho Nacional Sírio (CNS), disse esperar "um apoio internacional mais concreto" contra o regime baathista de Assad.

- Somente uma ação coletiva da comunidade internacional é capaz de dissuadir a máfia síria atualmente no poder a deixar o país ou ceder à batalha do povo sírio - disse Ghalioun, em visita à Bulgária.

Apesar de uma ampla rodada de sanções impostas por Estados Unidos, União Europeia e Liga Árabe, a violência na Síria só faz crescer - devido ao aumento do número de deserções nas Forças Armadas, estimado em cerca de dez mil por autoridades americanas.

Ontem, aliás, a companhia petrolífera europeia Royal Dutch Shell afirmou que interromperá suas atividades na Síria em cumprimento à nova rodada de sanções.

"Nossa principal prioridade é a segurança de nossos funcionários, dos quais sentimos muito orgulho", afirmou um porta-voz da empresa. "Esperamos que a situação melhore rapidamente".

Confronto na fronteira mobiliza o Líbano

Segundo a ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos, pelo menos 13 pessoas morreram em confrontos com o Exército sírio ontem. Num dos episódios de maior tensão registrados, tropas sírias feriram três pessoas ao abrir fogo contra a região de Wadi Khaled, na fronteira com o Líbano. Testemunhas contam que os sírios atiraram contra um grupo de civis que protestava, do lado libanês da fronteira, contra uma violenta incursão militar ao distrito de Tal Kalakh.

- As tropas começaram a atirar aleatoriamente quando um grupo de refugiados sírios se reuniu no território libanês, ao lado do Rio Kabir, que demarca a fronteira entre os dois países - disse Mahmoud Khazaal, ex-prefeito da cidade libanesa de Muqaybli.

Em Beirute, as Forças Armadas do Líbano se viram obrigadas a reagir oficialmente.

"O Exército tomou todas as medidas necessárias para proteger os cidadãos e patrulhar a região norte da fronteira", informou o Exército libanês, em um comunicado.