Título: Europa pode ter década perdida, diz Lagarde
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 03/12/2011, Economia, p. 43

Diretora-gerente do FMI compara situação atual com anos 80. Para Merkel, reação europeia é "processo que durará anos"

SÃO PAULO, BERLIM e PEQUIM. A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, afirmou ontem que, apesar do empenho dos países-chave da zona do euro, do FMI e de membros do G-20, se uma solução ampla, coletiva e abrangente para a crise europeia não for aplicada em tempo hábil, a região vai enfrentar uma "década perdida" semelhante à vivida pelos países latinos, nos anos 80. Ela disse que o contágio é uma realidade e pregou o combate com "múltiplas bazucas": a redução do endividamento e do déficit fiscal com reformas estruturais, a manutenção do crescimento, a recapitalização e o fortalecimento do sistema financeiro da região.

O diagnóstico foi feito ontem em São Paulo durante a gravação do programa "Globo News Painel", comandado por William Waack, após uma pergunta do vice-diretor da Faculdade de Economia da Faap, Luiz Alberto Machado, sobre os perigos de a crise atual repetir a conjunção inflação e estagnação vivida pela América Latina há 30 anos:

- Se nenhuma solução coletiva, abrangente e rápida for aplicada, a zona do euro corre o risco de viver uma década perdida, como a vivida pela América Latina nos anos 80. Posso ser a primeira pessoa a dizer isso, mas não sou a única a achar. O medo de contágio se materializou.

Lagarde tentou equilibrar um otimismo sobre a seriedade com que os europeus percebem a crise com um realismo crítico sobre a adoção de soluções:

- As medidas tomadas pelos bancos centrais há três dias são indicativas de que as ações estão não apenas sendo tomadas, mas agora ativamente percebidas pelos dois grandes jogadores da zona do euro: o presidente (francês) Nicolas Sarkozy e a chanceler (alemã) Angela Merkel. Eu não acredito que uma ação coletiva possa ser implementada de imediato, porque essa é a beleza e o luxo da democracia.

Instigada por Waack a avaliar as pressões meramente fiscais impostas por Merkel à crise em alguns países, Lagarde afirmou que a saída inclui um conjunto de frentes de batalha. Ou "múltiplas bazucas", afirmou, ao ser confrontada com a declaração do premier britânico, David Cameron, de que seria preciso uma bazuca para derrubar a crise:

- Tudo tem que ser enfrentado ao mesmo tempo: há o componente de ajuste à la Alemanha, mas também há o elemento de estabilização.

China diz que não resgatará países endividados

Lagarde buscou minimizar as divergências entre o Brasil - que quer atrelar o aporte de recursos à instituição ao aumento de poder dos emergentes - e o FMI. Disse que o Fundo continua influente, à sua maneira:

- Todos exercemos um papel nesta história por trás dos panos. Porque quando se lida com um país, você conversa com um tesouro, um banco central, um governo. Na zona do euro, composta de 17 membros, são 17 governos, 17 tesouros e um Banco Central Europeu. É um trabalho diferente, e você tem que ser muito mais discreto e ter certeza de que, se a solução for encontrada e a região sair da crise, o crédito tem que ser de governos, tesouros e do BCE. Estou feliz que o Fundo esteja no meio disso, mas de uma forma eficaz e não necessariamente visível.

Assim como Lagarde, Merkel reiterou ontem que ninguém deve esperar uma solução repentina para a crise. Para ela, a recuperação da Europa é um "processo que durará anos" e que requer "mudanças nos tratados europeus" para que haja normas vinculantes sobre os orçamentos públicos. Ela defendeu a criação de uma união fiscal para a zona do euro, rejeitou a criação de eurobônus e enfatizou a importância da autonomia do BCE para a estabilidade:

- Quem pedir a emissão (dos eurobônus) para enfrentar a crise da dívida europeia é porque não entendeu a crise.

Já a China anunciou que a Europa não deve esperar que Pequim use uma parte de suas reservas de US$3,2 trilhões para salvar países endividados, disse ontem a vice-ministra do Exterior, Fu Ying. Ela afirmou que o argumento de que a China deveria resgatar a Europa não é válido e que os europeus podem ter entendido mal como o país administra suas reservas.

(*) Com agências internacionais