Título: A conta não fecha
Autor:
Fonte: O Globo, 05/12/2011, Opinião, p. 6
TEMA EM DISCUSSÃO: Plebiscito sobre novos estados no Pará
O senso comum, quase sempre mau conselheiro, justifica a divisão de amplas áreas territoriais em várias unidades autônomas, para facilitar a administração pública. Faz sentido, mas não no Brasil.
Pouco mais de duas décadas depois de promulgada a Carta de restabelecimento da democracia, o país, com 5.564 municípios, tem experiência suficiente para avaliar esta pulverização e concluir pela rejeição do modelo.
Ao retomar em 1988 as devidas prerrogativas republicanas, o Congresso foi pródigo em permitir a multiplicação de prefeituras e a criação de novos estados. Há casos de sucesso, mas não são a maioria.
Os movimentos a favor desses plebiscitos costumam surgir de esquemas políticos paroquiais, interessados em consolidar o poder regional pela manipulação clientelista de recursos públicos.
Fórmula infalível é criar uma nova unidade na Federação, a ser beneficiada por repasses constitucionais. Além disso, como mesmo o menor dos municípios reproduz a estrutura dos governos federal e estaduais, com tribunal de contas, Casa legislativa, procuradorias etc., surgem do nada, para o cacique político local, inúmeros cargos a serem preenchidos por uma canetada - caso dos cargos ditos de "confiança" e assessores variados.
O grande problema é que quase todos estes novos entes federativos não têm viabilidade fiscal. Não contam, nem em potencial, com atividades econômicas capazes de gerar receita num volume que financie o custeio da máquina burocrática criada do zero, e ainda forneça recursos para a atividade de fomento da produção. Se fossem capazes de pelo menos pagar as contas de custeio, já seria uma façanha. Mas não é o que acontece na vida real.
Quase todos, se não todos, dos mais de mil municípios surgidos a partir de l988 dependem exclusivamente dos fundos de participação para sobreviver. É um dinheiro tão fácil que os prefeitos não se esforçam por cobrar IPTU e ISS, principais fontes de receita dos municípios. Vivem do dinheiro do contribuinte alheio e ainda podem faturar com discursos demagógicos junto ao eleitorado local.
A tentativa de criação de dois novos estados no Pará, batizados de Carajás e Tapajós, a ser submetida a plebiscito no próximo domingo, precisa ser esmiuçada a partir deste histórico de 23 anos de redesenho de fronteiras dentro do país.
Antes de qualquer aprofundamento, é falsa a premissa de que mais dois governadores e dezenas de novos prefeitos farão do atual Pará uma terra de prosperidade na região amazônica.
O certo é que surgirão despesas sem fonte de cobertura segura. E ainda, com a divisão, Belém perderá receitas, as quais tentará repor em Brasília.
O economista Rogério Boueri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo federal, fez as contas, e uma das conclusões a que chegou foi que Carajás gastaria 23% do seu PIB estimado com o custeio da máquina pública, e Tapajós, 51%, bem acima da média nacional de 12,7% e dos 16% do Pará unificado.
Há bases sólidas, portanto, para se concordar com Boueri quando ele diz serem inviáveis os novos estados e seus 66 municípios. A não ser que o Tesouro cubra os R$5,1 bilhões que, a cada ano, faltarão para fechar as contas de Tapajós e Carajás. É muito dinheiro e que faria falta em áreas de fato carentes e para despesas estratégicas de verdade.