Título: O Brasil é mais complexo
Autor: Feuerwerker , Alon
Fonte: Correio Braziliense, 03/09/2009, Política, p. 4

Não dá para achar que o país pode ser governado só assim: com Luiz Inácio Lula da Silva falando mal do antecessor, Dilma fazendo suas apresentações e o PMDB dando um jeito no Parlamento

Quem procura saber o que vai pela seara do governismo percebe o sucesso alcançado nos últimos dias pela tese imortalizada nas palavras do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), naquele inesquecível duelo de plenário contra o colega Tasso Jereissati (PSDB-CE). Trata-se de colocar a oposição no lugar que ela merece, para ela deixar de ser besta. Para curá-la do que o líder do PMDB classificou de ¿complexo de maioria¿. Que faz a minoria se comportar como se maioria fosse. Transgredindo as naturais regras do jogo.

Na crise do Senado, à primeira vista deu certo. José Sarney (PMDB-AP) continua confortavelmente posto na cadeira acima dos pares, com os rolos da Casa a caminho do esquecimento e do perdão aparentes. Uma anistia ampla, decorrente da correlação de forças. Do ¿manda quem pode, obedece quem tem juízo¿. Há, é claro, um custo junto à sociedade. O PT paga o preço de aparecer como legenda que concede aos aliados, especialmente ao PMDB, direitos proibidos aos mortais. Desde, é claro, que o parceiro ofereça apoio aos projetos e desígnios do PT.

A julgar pela euforia petista com o exercício do poder, o partido está a avaliar que a relação custo-benefício desse tipo de operação vale a pena. Será? Na política é habitual o sujeito deixar-se levar pela ilusão de que tudo está bem. Não fosse assim, não haveria espaço para grandes surpresas eleitorais, quando a urna finalmente traz o que pensa o eleitor. Mas enquanto este não se manifesta prevalece a miragem do tudo pode.

A urgência constitucional determinada pelo governo para a tramitação dos projetos do pré-sal atolou na Câmara dos Deputados. É uma coisa intrigante. Se o governo tem maioria ampla na Casa, e se os líderes da base governista podem, portanto, pedir a votação em plenário de qualquer texto a qualquer momento, por que o Palácio do Planalto impôs a urgência a priori num assunto tão complexo? Ora, por achar que emplacaria. Veremos o desfecho.

O procedimento revela novamente o conceito. Durante muitos meses, o assunto ficou rodando pela Casa Civil, indo e voltando do Ministério de Minas e Energia. Ótimo. Era o governo cumprindo seu papel. Entretanto, por mais consideração que a sociedade possa ter pela ministra Dilma Rousseff e pelo colega Edison Lobão, não dá para concluir que o país está totalmente representado pelo duo nesse debate. Não dá para achar que o Brasil pode ser governado só assim: com Luiz Inácio Lula da Silva falando mal do antecessor, Dilma fazendo suas apresentações e o PMDB dando um jeito no Parlamento.

O Brasil é mais complexo. Por elegância, não é o caso de citar exemplos de vizinhos. Mas talvez conviesse ao governo compreender que hoje parecemos mais com os Estados Unidos do que com alguns das nossas redondezas. E se nem Barack Obama, com todo o capital político acumulado e a maioria qualificada nas duas Casas do Congresso, escapa de passar pelo corredor polonês na polêmica sobre a reforma da Saúde, assunto exaustivamente debatido na campanha eleitoral, por que Lula, Dilma e Lobão imaginam que poderão virar do avesso, assim do nada, a um estalar de dedos, todo o universo nacional do petróleo e do gás? E fazê-lo sob aplausos unânimes do Brasil, pois afinal ¿eles devem saber o que é bom para nós¿.

Até porque se a propostas forem boas mesmo o governo terá elementos adicionais para emplacá-las. Mas vai exigir arte. Futebol não é só força, é também jeito. Intrigante que logo Lula, o boleiro, o encantador de serpentes, tenha esquecido dessa verdade. Bem Lula, que depois de cinco eleições e dois mandatos presidenciais talvez conheça o Brasil melhor do que qualquer um. É coisa de gente que se acostumou demais a palácio. Uma doença conhecida do príncipe.

O nome é Palocci

Em entrevista ontem a um canal de televisão, o ex-ministro José Dirceu disse que Antonio Palocci é a candidatura natural do PT ao governo de São Paulo. Fez as mesuras de praxe aos demais, mas não deixou dúvidas. Pelo tom de Dirceu, e pelas conexões que ele mantém no partido e no governo, essa fatura está com cara de liquidada.