Título: Putin ataca manifestantes em programa na TV
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 16/12/2011, O Mundo, p. 46

Premier adverte que não permitirá que protestos levem à desestabilização do país e propõe câmeras contra fraudes

PUTIN DURANTE o programa de perguntas e respostas na TV russa: premier lançou mão de discurso antiamericanista como quando era presidente

BRASÍLIA e MOSCOU. Após ver milhares protestarem nas ruas e seu partido encolher em número de cadeiras no Parlamento, o primeiro-ministro Vladimir Putin afirmou ontem que não permitirá que as manifestações desestabilizem a Rússia. Numa longa sessão de perguntas e respostas na TV, Putin rejeitou suspeitas de fraudes nas eleições legislativas do dia 4 e criticou os manifestantes. Ele chegou a sugerir que algumas pessoas teriam recebido dinheiro para se juntar aos protestos e disse ter pensado que as fitas brancas que os participantes adotaram como símbolo seriam camisinhas, em algum tipo de campanha sobre a Aids.

— Vi as pessoas pela TV. A maioria era jovem, ativa e com posições que expressaram com clareza. Se isso é resultado do regime Putin, então ótimo. Mas permitir de desviem para a desestabilização, é inadmissível — disse o premier, acrescentando sem dar detalhes: — Pelo menos vão ganhar algum dinheiro.

Adesão a protesto aumenta no Facebook durante programa

Após o programa de quatro horas e meia — o mais longo de seu governo — a avaliação de analistas ouvidos pelo GLOBO é de que o premier não se mostrou flexível o suficiente para atender às demandas dos manifestantes, embora tenha admitido fazer melhorias no sistema político, e pouco sinalizou sobre a estratégia para lidar com a insatisfação geral a três meses das eleições presidenciais.

Pela primeira vez, ele falou sobre as manifestações contra o governo que culminaram no último fim de semana, reunindo cerca de 50 mil pessoas somente em Moscou, ao responder às perguntas que chegavam por telefone, pela internet ou da plateia. E, numa crítica às “revoluções coloridas” — como a Laranja, na Ucrânia — advertiu os russos a não se deixarem “arrastar por esquemas para desestabilizar a sociedade”:

— Estão transferindo essas táticas para a Rússia.

Depois, lançou mão de ironia ao falar da fita branca nos protestos.

— Para ser honesto, quando vi várias pessoas usando aquelas coisas no peito, achei que fosse propaganda em algum tipo de luta contra a Aids, e que tivessem colocado uma camisinha ali — disse o premier.

Putin disse ter pedido à comissão eleitoral que instale câmeras nas 90 mil seções de votação e propôs que a legislação seja alterada para permitir a participação de partidos menores. A proposta de trazer de volta as eleições para governadores das regiões, desde que os candidatos sejam aprovados pelo presidente, mudaria uma situação criada por ele próprio em 1999, quando suspendeu o pleito para governantes locais, hoje escolhidos pelo Kremlin.

As respostas podem inflamar ainda mais a manifestação programada para o dia 24. O número de pessoas que assinaram a página do Facebook do protesto pulou de 18 mil para 21,5 mil enquanto Putin falava. O blogueiro Rustem Adagamov, que ajudou na mobilização para a última passeata, se disse decepcionado: “Em vez de unificar a nação, vemos a mesma caça às bruxas soviética, que significa procurar inimigos que teriam recebido dinheiro para protestar.”

Putin adotou uma retórica antiamericanista ao falar sobre política externa — um discurso que faz sucesso com a população russa não é de hoje. Ele minimizou uma advertência do senador John McCain de que a Primavera Árabe se aproximava da Rússia — “McCain foi capturado na Guerra do Vietnã e posto num buraco, isso deixaria qualquer um maluco” — e sugeriu o envolvimento de Washington na morte de Muamar Kadafi, após a caravana do ditador líbio ser atingida por aviões não tripulados. Uma acusação que o secretário de Defesa, Leon Panetta, considerou absurda.

— Os EUA não precisam de aliados, precisam de vassalos — disparou Putin

O premier sabe que agrada todas as vezes que fala mais firme com os EUA. Segundo analistas, esta é a mesma retórica da qual lançou mão nos dois mandatos em que esteve na Presidência, entre 2000 e 2008, quando acusou o Ocidente de financiar os críticos do Kremlin para enfraquecer a Rússia e impedir que se recuperasse da crise na qual havia mergulhado após o fim da União Soviética.

Para especialista, premier “jogou para a plateia”

Para um cientista político baseado em Moscou, a estratégia é tentar tirar o foco das inquietações domésticas e encontrar um culpado de fora:

— A ideia foi jogar para a plateia de milhões de russos que lhe assistiam pela TV — disse.

Após o programa, Putin confirmou o nome do presidente Dmitri Medvedev como seu premier, se for eleito novamente presidente em março. Medvedev estava ontem em Bruxelas, onde o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, manifestou preocupação com as denúncias de irregularidades nas eleições russas.

Com agências internacionais