Título: Argentina aprova mudança sobre papel-jornal
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 16/12/2011, Economia, p. 44

Projeto de lei que dá ao Estado controle sobre matéria-prima da imprensa passa na Câmara com 134 votos a favor

BUENOS AIRES. Como era esperado, a Câmara argentina aprovou ontem - com 134 votos a favor, 92 contra e 13 abstenções - um polêmico projeto de lei que declara de interesse público a "produção, comercialização e distribuição de papel de pasta celulose para jornais". O governo Cristina Kirchner tentou aprovar uma iniciativa similar entre 2009 e 2010, mas a Casa Rosada não contava com os votos necessários. Agora, com maioria em ambas as casas do Congresso - entre kirchneristas puros e aliados -, o governo apresentou um novo projeto aos deputados, considerado ainda mais negativo por representantes de meios de comunicação.

Em entrevista ao GLOBO, o gerente de comunicações externas do grupo Clarín, Martin Etchevers, assegurou que "essa medida busca, entre outras coisas, limitar o acesso dos jornais ao papel elevando a tarifa de importação do produto, zerada desde 1985".

- Em nenhum dos artigos do projeto existe uma garantia de que a alíquota de importação de papel continuará sendo zero - explicou Etchevers.

Pelo contrário. O documento, que até o fim do ano será transformado em lei pelo Senado, estabelece que a cada três meses o Ministério da Economia avaliará a situação da tarifa de importação de papel. Atualmente, a empresa Papel Prensa - controlada pelos jornais "Clarín", "La Nación" e pelo Estado - produz 170 mil toneladas de papel por ano, abaixo das 230 mil consumidas pelas empresas do setor. O "Clarín" importa 16 mil toneladas, e o "La Nación", outras 11 mil. Os jornais "El Cronista" e "Perfil", que também são considerados inimigos pelo governo, dependem quase totalmente do papel importado. Qualquer modificação na alíquota para adquirir papel no exterior representará um enorme prejuízo para muitos jornais argentinos.

Governo poderá definir metas de investimento

O projeto também dá ao Estado o poder de determinar quanto as empresas produtoras de papel devem investir e a que preço vender seus produtos. Os artigos 40 e 41 estabelecem, ainda, que a Papel Prensa deve abastecer totalmente o mercado interno e, caso não esteja em condições de fazer os investimentos necessários - que serão fixados pelo governo -, eles serão financiados pelo Estado. Se isso acontecer, o Estado aumentará sua participação acionária e os sócios privados, em contrapartida, reduzirão seu capital.

- Esse projeto permitirá uma expropriação da empresa, sem pagamento de indenização. É pior do que a Venezuela, onde (o presidente Hugo) Chávez expropria, mas paga - assegurou Etchevers.

A mesma posição foi defendida por deputados da oposição durante o debate em comissões preliminares e na Câmara.

- A atitude do governo é como "dar todo o poder aos sovietes" - disse a deputada Alicia Argumendo, do movimento Projeto Sul, liderado pelo cineasta Fernando "Pino" Solanas.

Alicia pertence ao partido que apresentou um projeto anterior sobre a produção de papel, que contou com o apoio do governo. No entanto, apesar de coincidir com a necessidade de regular esse setor da economia, a deputada disse não "pode acompanhar esse texto do Executivo".

- Seria como dar um poder quase absoluto ao Ministério da Economia - insistiu.

O projeto também foi questionado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Segundo a organização, a iniciativa "fere princípios fundamentais de liberdade de imprensa estabelecidos na Declaração de Chapultepec, em tratados assinados pelo país e no artigo 32 da própria Constituição argentina".