Título: Lula vê trunfo para Dilma
Autor: Pereira, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2009, Política, p. 3

Discurso da oposição contra suposto viés nacionalista do governo será usado em favor da candidata petista

Plataforma de petróleo P-52, em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro: governo federal acha positivo debate sobre o ¿nacionalismo dos petistas¿

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende transformar em trunfo eleitoral as críticas ao modelo de exploração da camada de petróleo do pré-sal. A ideia é usar o suposto viés nacionalista-estatizante, citado por parte da oposição ao analisar as propostas encaminhadas ao Congresso, a fim de colar na ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a imagem de candidata alinhada ao orgulho de ser brasileiro e comprometida com o fortalecimento do estado. ¿O governo não esconde que é nacionalista, que respeita o país. Andamos de cabeça erguida¿, diz um dos ministros mais próximos de Lula, antecipando parte do discurso eleitoral. ¿Não somos do tempo em que embaixador era obrigado a tirar sapatos nos Estados Unidos¿, acrescenta, referindo-se ao fato de o chanceler Celso Lafer, em 2002, último ano da gestão Fernando Henrique Cardoso, ter sido obrigado a ficar descalço em revistas feitas por seguranças de aeroportos norte-americanos.

Para amparar a comparação entre os mandatos de Lula e FHC e dar fôlego a Dilma no embate com os tucanos, o governo ressaltará a preferência pela partilha na exploração da camada do pré-sal. Viável graças ao baixo risco do negócio, esse modelo renderá mais recursos aos cofres públicos em comparação com a concessão, usada em áreas já licitadas.

¿Não houve nada de estatizante. As empresas continuarão a operar. Agora, o governo tem a visão de que não deve entregar a maior parte da riqueza à iniciativa privada. Encontramos um bilhete premiado. Quem pensa o contrário que defenda isso em público¿, provoca o ministro. Conforme ressaltado por Lula na cerimônia de divulgação do marco regulatório do pré-sal, na segunda-feira, o papel da Petrobras entrará no xadrez da sucessão presidencial. A capitalização da estatal será apresentada como uma aposta do governo nos brasileiros, representados por uma gigante nacional, e na importância de uma máquina pública mais presente na economia e nos outros setores, como saúde e educação.

¿As críticas ao modelo do pré-sal mais ajudam do que prejudicam. Fica sempre na conta dos tucanos uma intenção não concretizada de vender a Petrobras. Estão cada vez mais sem discurso¿, declara uma estrela petista, interlocutora da ministra Dilma no partido. Ontem, governistas festejavam nos bastidores a intenção de parlamentares democratas de obstruir a tramitação dos projetos do pré-sal no Congresso. Planejam se aproveitar da estratégia dos adversários para jogá-los contra ¿os interesses do povo brasileiro¿. DEM e PSDB têm críticas e defendem a necessidade de um tempo maior de discussão sobre o modelo proposto, mas não fecharam questão contra as regras sugeridas pelo governo.

Campanha Na eleição presidencial de 2006, as duas siglas também não disseram que privatizariam a Petrobras se vencessem o páreo. Mesmo assim, essa versão prosperou e prejudicou a campanha dos oposicionistas contra a reeleição de Lula. O fundamental é a guerra de versões. E, mais importante, vencê-la, reza um dos mantras prediletos do entorno de Lula. ¿Há uma diferença entre os dois governos. Não queremos dividir a Petrobras, mudar seu nome para Petrobrax. O Brasil deve à empresa. Ela descobriu o pré-sal porque multiplicou por cinco os investimentos em prospecção¿, diz o ministro.

Comparação entre modelos

Queda de braço

Desde o início do segundo mandato, o presidente Lula trabalha para que haja uma eleição plebiscitária no próximo ano: gestão petista versus tucana. A fim de vencer a queda de braço, realçará as tais diferenças. Em seu arsenal, destacam-se o fato de o Brasil ter passado de devedor a credor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e aumentado os investimentos em infraestrutura e na área social em meio à crise. Além disso, desponta o crescimento do tamanho da máquina pública, com reajuste de salários e contratações. Para a oposição, há gastança e inchaço sem a melhora dos serviços públicos. Os governistas negam em público. No horizonte, vislumbram apenas os votos do funcionalismo federal.

Ameaça de boicote

KARLA MENDES Paulo de Araújo/CB/D.A Press - 31/8/09 Dilma, ministra da Casa Civil: ¿Quem desdenha, quer comprar¿

Investidores estrangeiros ameaçam restringir investimentos no Brasil com a confirmação do privilégio da Petrobras na exploração do petróleo da camada pré-sal. Ao impor a companhia brasileira como titular indestituível do posto de única operadora e de fixar participação mínima de 30% da estatal em todos os blocos de exploração do petróleo, tais empresas dizem que irão reavaliar a possibilidade de participação no negócio.

Só este ano, as petroleiras estrangeiras investiram entre US$ 4 bilhões e US$ 5 bilhões no Brasil. E com o pré-sal, a tendência é de aumento desses investimentos ao longo do tempo. O governo porém, está confiante de que nenhuma empresa vai querer ficar de fora da exploração da nova riqueza. ¿Não é possível acreditar nessa história de que o pré-sal não é atraente. Quem desdenha, quer comprar¿, ressaltou ontem a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no anúncio oficial do novo marco regulatório.

A ministra argumentou que, mesmo tendo um percentual de participação pequeno, como os volumes de pré-sal são grandiosos, o retorno para as empresas será atraente. ¿Estamos falando de volumes imensos, 600 milhões de barris já é considerado poço gigante. Quem tiver acesso a 20% de 14 bilhões terá mais que isso¿, reforça.

As multinacionais reclamam, porém, de que a participação das empresas no pré-sal está sendo reduzida a meras financiadoras do projeto. ¿Não é a nossa vocação. Entrar só com o capital não faz sentido. Estamos regredindo no modelo¿, ressalta um executivo de uma petroleira estrangeira, que pediu anonimato. Sendo a Petrobras a única operadora do pré-sal, é ela que vai definir a tecnologia a ser usada, o que também limitará a transferência de tecnologia de outros países, afirma o executivo.

Outro impacto negativo, segundo os empresários, é que só haverá uma empresa negociando com a toda a cadeia de fornecimento de equipamentos para o setor. A argumentação é a de que isso seria ruim para a competitividade e redução de custos, pois, com mais empresas na disputa, os custos em tese são menores. Como os Estados Unidos têm dado sinais positivos de retomada da economia, pode ser mais vantajoso para as multinacionais aplicar seu capital lá ou em outros países.

¿Privilégio¿ questionado

A visão de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), vai mais além. Para o consultor, esse dito ¿privilégio¿ de a Petrobras operar todos os campos do pré-sal pode acabar tendo um efeito bumerangue, prejudicando a própria estatal. ¿O governo pode, ao invés de estar dando privilégio para a Petrobras, estar sangrando a companhia¿, diz. Ele explica que, ao obrigar a estatal a operar todos os campos, o governo está restituindo a ela o chamado monopólio do risco. ¿Todo campo que era furado no Brasil era da Petrobras, então, ela tanto podia achar petróleo, como podia não achar. Quando o mercado abriu, a Petrobras comparecia aos leilões que a Agência Nacional do Petróleo promovia e ela comprava o campo que achava que tinha que comprar. E como a Petrobras conhece melhor o Brasil que qualquer empresa estrangeira, a tendência é sempre adquirir os melhores blocos do petróleo¿, diz Pires.

Para Giuseppe Bacoccoli, pesquisador visitante da COPPE-UFRJ, ter a Petrobras como única operadora dos blocos é o maior entrave ao investimento estrangeiro no país. ¿Eu fui da Petrobras, acho que a empresa, por tudo que fez na exploração pelo desenvolvimento no país, é merecedora de algum tipo de privilégio. Mas 30% de todos os blocos e operar qualquer bloco talvez seja demais. Sei que as empresas estrangeiras acham demais e elas têm razão¿, observa. ¿Isso é uma limitação do mercado, não tanto pelos 30%, mas pelo fato de ela ser operadora, pois na gíria do petróleo, o operador é que manda. O pessoal considera ingerência, pois é ela quem vai mandar em todo o pré-sal.¿ Entre os privilégios que a Petrobras poderia ter, o especialista cita a opção de escolher os blocos primeiro, por exemplo.