Título: EUA completam retirada do Iraque sem alarde
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Fonte: O Globo, 19/12/2011, O Mundo, p. 29

Último comboio cruza a fronteira do Kuwait em operação discreta, enquanto premier iraquiano tenta destituir o vice

BAGDÁ. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, havia feito na última quarta-feira seu discurso de encerramento da Guerra do Iraque. Na quinta-feira, foi a vez de o secretário de Defesa, Leon Panetta, visitar o Oriente Médio e dar por encerrados quase nove anos de conflito. Mas, após todo o simbolismo da retórica, foi somente na madrugada de ontem — e sem alarde, devido ao temor de atentados — que o último comboio de soldados cruzou a fronteira em direção ao vizinho Kuwait e encerrou a ocupação americana do país árabe.

A última coluna de 110 veículos blindados de transporte de tropas deixou no meio da noite a base Camp Adder, no sul do país — onde ficava a velha cidade de Ur, segundo a tradição, terra natal de Abraão — para a viagem de cinco horas até a fronteira. O esquema de segurança da retirada não permitiu sequer aos últimos americanos se despedir dos colegas iraquianos.

Sem comemoração diante de uma guerra controversa — e na qual analistas apontam que não houve vencedores — a operação foi marcada pela discrição. Alguns dos últimos 25 caminhões a deixarem o território iraquiano buzinaram. Somente por volta das 7h30m (horário local), com todos os militares no lado kuwaitiano da fronteira, alguns ousaram uma pequena celebração. Mesmo os abraços e gritos de “u-hu!” foram contidos.

— Meu coração fica com os iraquianos. Os inocentes sempre pagam a conta — afirmou o oficial John Jewell, optando por palavras cautelosas.

O desabafo do sargento Rodolfo Ruiz refletiu a sensação geral, de alívio.

— Eu mal posso esperar para ligar para minha esposa e filhos e avisá-los de que estou seguro.

Ficaram para trás apenas cerca de 150 militares, envolvidos na missão de treinamento das forças iraquianas, subordinados à embaixada americana em Bagdá, às margens do Rio Tigre.

Na capital, no entanto, não houve comemorações pelo restabelecimento pleno da soberania do Iraque. Imerso em disputas étnicas e sectárias de poder, o primeiro-ministro Nuri al-Maliki se via ontem às voltas com a primeira crise pós-ocupação americana. Segundo a rede de TV al-Jazeera, o premier xiita enviou uma carta ao Parlamento pedindo uma moção de desconfiança para seu vice, o sunita Saleh Mutlak, do maior parceiro da coalizão, o bloco multiétnico Iraqiya, que tem 82 das 159 cadeiras do Legislativo.

A medida é uma resposta a Mutlak, que, em entrevista à TV local, chamou o chefe de “um ditador pior que Saddam Hussein”. A Iraqiya, aliás, já havia suspendido sua participação no Parlamento no sábado, quando acusou o primeiro-ministro de monopolizar o processo de tomada de decisões no país.