Título: Partidos e pessoas
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2009, Política, p. 6

Dessa mistura nasce o mito de que o país precisa e pode ser salvo por uma pessoa imbuída de idealismo e vontade, através de uma ¿cruzada¿ renovadora e saneadora. Mais: que essa pessoa, ao se oferecer para liderá-la, será reconhecida pela população por seu carisma.

O que vai acontecer com a candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC) nos longos meses que nos separam das eleições do ano que vem ninguém sabe. Nem ela, nem seus novos correligionários do Partido Verde são capazes de prever se os projetos que acalentam darão certo ou não.

Enquanto isso, vão dando um passo de cada vez, como costumam fazer as pessoas ajuizadas, aproveitando da melhor maneira o que cada situação pode oferecer. Se até seus atos banais recebem boa atenção da imprensa, por que não multiplicar as oportunidades de cobertura, fazendo o maior número possível de eventos por semana?

Desde quando começaram as especulações sobre a saída do PT da senadora, chegando à recente cerimônia de filiação a seu novo partido, todos os passos foram pensados para que tivessem máxima repercussão. Seja na escolha da data de cada um, seja na definição dos temas a tratar em pronunciamentos e entrevistas, nada foi deixado ao acaso.

Isso não é nem estranho nem, muito menos, condenável. Pequenos partidos, com recursos escassos e mínima organização, têm mesmo que ser imaginativos, se quiserem vencer a indiferença com que a opinião pública e os meios de comunicação costumam tratá-los. Uma política como Marina, vinda de um estado com pouca expressão demográfica, com apelo eleitoral ainda desconhecido, só aparece se fizer força.

Ou seja: a provável candidatura presidencial da senadora vai avançando dentro da normalidade. Desde sua própria existência (pois projetos parecidos existem em muitos países), às saídas engenhosas para driblar as dificuldades (pouco dinheiro, poucos militantes, etc.), tudo é normal.

Considerando quem é Marina Silva, é também normal que sua pré-candidatura atraia o interesse de alguns eleitores, talvez de muitos. Seu vínculo com um tema do qual ninguém discorda, seu real compromisso com as causas da ecologia e da sustentabilidade, sua biografia e trajetória, fazem da senadora uma séria possibilidade de voto para muitas pessoas.

Há, ainda, que levar em conta o momento em que vivemos. Depois de meses de desgaste contínuo do sistema político, com a sucessão de crises desde o início do ano e a infindável confusão no Senado, a hipótese de Marina ser candidata a presidente deixou muita gente contente e esperançosa. Difícil imaginar alguém mais talhado que ela para representar uma alternativa aos políticos tradicionais, suas diabruras e criaturas.

Mas existe algo que nada tem de normal nas discussões sobre os legítimos projetos presidenciais da senadora.

Implícito no tratamento que sua candidatura recebe de parte da mídia e no modo como a ela se referem algumas pessoas, é perceptível uma nossa velha conhecida de muitas eleições: a mistura de voluntarismo e personalismo que, volta e meia, assombra nossas instituições. Ela já nos fez mal no passado e, pelo visto, continua pronta a reaparecer.

Dessa mistura nasce o mito de que o país precisa e pode ser salvo por uma pessoa imbuída de idealismo e vontade, através de uma ¿cruzada¿ renovadora e saneadora. Mais: que essa pessoa, ao se oferecer para liderá-la, será reconhecida pela população por seu carisma. Quem pensa assim calcula e deseja que, sempre que a sociedade estiver perante uma encruzilhada, surgirá um salvador da pátria para assumir a missão.

Nesse modo de pensar, instituições como os partidos políticos são mais que irrelevantes. São prejudiciais, ao se interporem entre o bom líder e o povo. Por isso, é um modelo no qual os candidatos a esse papel até devem vir de partidos pequenos ou inexistentes, para que não sofram limitações à sua plena liberdade.

Muita gente que incensa a candidatura da ex-ministra defende, no entanto, o fortalecimento dos partidos, sem perceber o quanto há nisso de contraditório. Não é juntando uma penca de pequenos partidos, para aumentar o tempo de televisão, que se avança na direção adequada.

Marina precisa tomar cuidado para não virar o que não é: uma encarnação moderna e progressista do janismo ou do collorismo. Por tudo que ela foi e fez até agora, se há uma coisa que ela não merece é o risco dessa confusão.