Título: O bom desenvolvimentista é aquele que busca o crescimento sustentado e não o imediato
Autor: Mantega, Guido
Fonte: O Globo, 18/12/2011, Economia, p. 44/45

Para estimular economia em meio à crise, ministro diz que governo pode cortar impostos de crédito e da folha de pagamento de empresas, mas defende medidas de austeridade em 2011. Para ele, há sinais de expansão este mês

SÃO PAULO. Uma nova redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o crédito das pessoas físicas e a desoneração da folha de pagamento de mais setores são as próximas armas que o governo poderá adotar para estimular a economia. Isso é o que promete o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que fará as desonerações necessárias para que a atividade se recupere após um ano em que o ritmo de crescimento do país despencou de 7,5% em 2010 para algo próximo de 3%. Mesmo assim, ele afirma que a estratégia de pisar no freio foi acertada, pois a manutenção do resultado do ano passado "geraria desequilíbrios indesejáveis". Segundo ele, não se deve apenas olhar para o Produto Interno Bruto (PIB) para avaliar o sucesso das ações do governo. "O crescimento tem que ser olhado por vários ângulos e não só o PIB. Temos que olhar o dinamismo da economia como um todo", afirma. Declarado desenvolvimentista, ele diz que não mudou por ter passado boa parte de 2011 falando em austeridade fiscal: "O bom desenvolvimentista é aquele que busca o crescimento sustentado e não o imediato". O ministro garante ainda que, apesar da estagnação da atividade no terceiro trimestre e da queda registrada em outubro (de 0,32%), os resultados de novembro e dezembro já mostram que o país voltou para a rota do crescimento econômico.

MANTEGA: "VOCÊ tem que distinguir quando há um choque de oferta, um choque de preços de commodities, de quando você tem uma inflação gerada por pontos de estrangulamento"

Martha Beck marthavb@bsb.oglobo.com.br

O senhor diz que é um desenvolvimentista, mas passou a maior parte de 2011 falando em austeridade fiscal. O senhor se tornou um fiscalista?

GUIDO MANTEGA: Absolutamente. O bom desenvolvimentista é aquele que busca o crescimento sustentado e não o crescimento imediato, fazendo um monte de bobagem e desequilibrando a economia. O objetivo é ter uma boa média de crescimento nos próximos oito a dez anos, e isso implica ajustes periódicos quando isso se fizer necessário.

Mas a estratégia da equipe econômica este ano acabou fazendo o crescimento despencar. Ela valeu a pena?

MANTEGA: A desacelerada foi necessária para não deixar a inflação contaminar a economia. Se a gente repetisse 7,5% em 2011, você não teria mão de obra e a infraestrutura não acompanharia um crescimento tão forte. Isso geraria desequilíbrios indesejáveis. Também queríamos dar um salto qualitativo na relação entre as políticas monetária e fiscal de modo que os juros possam caminhar no Brasil para um nível de normalidade que hoje não existe.

Qual é o problema?

MANTEGA: Embora o Brasil tenha condições fiscais melhores que vários países, eles operam com taxas de juros menores. Isso porque, até 1999, o Brasil não tinha uma situação fiscal adequada, tinha uma vulnerabilidade externa, era um país endividado, com inflação alta e com episódios de default (calote). Você acabou tendo uma política monetária excessiva para compensar outros desequilíbrios. O que nos cabe agora é criar as condições para que os juros no país possam cair. O resultado fiscal de novembro provavelmente vai mostrar que a meta do ano já está cumprida. Isso cria espaço para o Banco Central agir quando achar adequado.

Mas mesmo com os esforços fiscais do governo, a inflação ainda corre o risco de ficar acima do teto da meta, que é de 6,5%. O senhor teme que o governo Dilma seja taxado como leniente com a inflação?

MANTEGA: Se o governo brasileiro é leniente, então também é preciso considerar assim os governos chinês, do Reino Unido e de lugares onde a inflação triplicou este ano. Foi um festival de aumento da inflação. Você tem que distinguir quando há um choque de oferta, um choque de preços de commodities, de quando você tem uma inflação gerada por pontos de estrangulamento da economia. O mundo todo está com problemas de inflação. Não dá para dizer que foi gerado aqui dentro. O que pudemos fazer, nós fizemos.

O governo esperava que a economia desacelerasse, mas a freada foi brusca. O senhor acha que a equipe econômica errou na mão?

MANTEGA: Não. O crescimento tem que ser olhado por vários ângulos e não só o PIB. Temos que olhar o dinamismo da economia como um todo. Vamos ter um crescimento de 7% no varejo em 2011. Além disso, a massa salarial cresceu e o nível de emprego também. É claro que estamos crescendo abaixo do que a gente gostaria. Mas uma das razões foi o agravamento da crise internacional, que custou um pouco de PIB para nós porque atingiu a indústria. Não havia como isentar o setor disso.

A economia ficou estagnada no terceiro trimestre e os dados de outubro foram bastante negativos. Quando é que a economia vai se recuperar de fato?

MANTEGA: Sei que outubro foi ruim, mas também sei que a economia já voltou a um ritmo mais elevado em novembro e dezembro. Estava crescendo a 3,2% em setembro e outubro, foi o fundo do poço. Até porque a crise internacional foi mais forte e teve gente que ficou com medo. Mas em novembro e dezembro a economia já acelerou. Veja como a economia reage rápido. Há uma série de estímulos. A Selic (taxa de juros básica da economia, fixada pelo Banco Central, hoje em 11%) caiu a partir de agosto. E flexibilizamos as medidas prudenciais (como reduzir o IOF para o crédito de pessoas físicas).

O governo pode continuar a adotar medidas nessa linha para turbinar a economia?

MANTEGA: Reduzimos o IOF das pessoas físicas em 0,5 ponto percentual e podemos reduzir de novo se for necessário. O Brasil tem que continuar reduzindo a carga tributária, desonerando a folha de mais setores. É preciso ter uma agenda permanente de competitividade.

Como o governo vai fazer mais desonerações com o cenário fiscal de 2012, onde estão previstas despesas elevadas como o aumento do salário mínimo e existem pressões por reajustes do funcionalismo?

MANTEGA: As principais despesas do governo estão contidas. O déficit da Previdência Social está caindo, assim como os gastos com pessoal. Além disso, o Congresso não aprovou até agora nenhum reajuste para 2012 e a meu ver não vai aprovar.

Por quê?

MANTEGA: Porque o Congresso sabe que nós estamos numa crise internacional e que uma situação fiscal sólida é importante para que o país continue crescendo mais. Eu vejo uma grande maturidade política no Brasil, que não ocorre em outros países, como Estados Unidos e europeus. Eu posso te dizer que vamos continuar tendo esse resultado fiscal que nós tivemos em 2011. Vamos fazer os investimentos que são necessários, as desonerações que são necessárias e ter o resultado fiscal necessário.

A crise internacional ainda não deu sinais de arrefecimento. Que desdobramentos o senhor espera para 2012?

MANTEGA: Temos dois cenários possíveis. Um deles é os europeus continuarem empurrando (a crise) com a barriga. O quadro continua se deteriorando, mas não quebra nenhum banco, nenhum país. Você continua tendo restrições de crédito, uma taxa de crescimento baixo. Aí vamos ter dificuldades de aumentar nossas exportações, mas isso é perfeitamente controlável. Nesse cenário, o Brasil cresce mais de 4% no ano que vem.

E o segundo cenário?

MANTEGA: O outro cenário seria um default de bancos ou de países. Aí você teria uma parada do comércio internacional e uma interrupção abrupta do crédito. Mas isso a meu ver é muito difícil. Seria uma grande irresponsabilidade dos países avançados deixarem isso acontecer, porque eles têm como evitar esse cenário.

E quanto o Brasil cresceria nesse caso?

MANTEGA: Se houver uma agudização, nós vamos crescer em torno de 4%.

Como isso é possível?

MANTEGA: Numa crise mais grave, temos as reservas que entrarão em ação, como entraram em 2008. E mesmo um cenário agudo não dura mais que dois ou três meses. Além disso, a economia brasileira continua tendo dinamismo porque a massa salarial está crescendo. Se você soltar um pouco o crédito, volta ao consumo que você quiser e nós vamos graduar isso. Também vamos ter um aumento do salário mínimo em 2012 e o estímulo monetário. Além disso, o BNDES vai ter um pouco menos de recurso, mas vai continuar tendo um montante na casa de R$140 bilhões para emprestar.

Como o governo vai agir na área de defesa comercial para proteger a indústria da concorrência predatória dos importados?

MANTEGA: Um dos resultados da crise é que cada país vai tentar baratear seus produtos. Por isso, todos os setores estão sendo acompanhados. O instrumento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados, que foi elevado para os importados) que nós usamos para o setor automotivo não funciona para outros setores. Mas quem estiver sangrando com essa competição terá um tratamento específico que não viole as normas da OMC (Organização Mundial do Comércio) e a competição internacional.

Mas o IPI para os veículos importados foi criticado e classificado como protecionista por alguns países-membros da OMC.

MANTEGA: Não é protecionismo. É defesa comercial. O que a OMC deveria fazer é uma revisão do seu instrumental, porque ela não olha para a questão cambial. Ela olha para subsídios explícitos, tarifas, os casos clássicos de defesa comercial. Hoje, falta uma atualização da OMC para levar em consideração a guerra cambial. Alguém vai negar que ela existe? Isso é uma realidade. Se a OMC não levar em consideração a guerra cambial, ela vai estar fazendo o seu trabalho pela metade.

O que foi uma frustração e uma alegria para o senhor este ano?

MANTEGA: Fico satisfeito de ter gerado mais empregos. Acho que a população, quando olha o que está acontecendo em outros países, fica muito satisfeita. Os brasileiros estão viajando mais, comprando mais. A situação de vida está muito melhor. Onde poderia ter avançado? Na reforma do ICMS, mas ela está pronta para ser realizada. Eu também gostaria ter aprovado o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores e desonerado a folha de mais setores. Mas meu balanço do ano é muito positivo. A presidente Dilma Rousseff se saiu muito bem num ano em que todo o mundo pulou miudinho para livrar a cara (da crise).