Título: O mago do carnaval
Autor:
Fonte: O Globo, 18/12/2011, Rio, p. 22

Joãosinho Trinta, o homem que revolucionou os desfiles das escolas e conquistou 8 títulos

POLÊMICA PELA Acadêmicos do Grande Rio, em 2004: Joãosinho teve carros alegóricos censurados e acabou sendo demitido

EM 1989, arrebata a Sapucaí na Beija-Flor: censurado, Cristo Redentor foi coberto para a avenida

À ESQUERDA entre Selminha Sorriso e Raíssa, da Beija-Flor. À direita, em 1976

Quando desembarcou sozinho no Rio de Janeiro, em 1951, com apenas 17 anos, o maranhense João Clemente Jorge Trinta queria ser bailarino. Não estava nos seus planos fazer carnaval. Só em 1963 ele entrou para a festa que o consagrou como o maior campeão do carnaval carioca. Nascido em 23 de novembro de 1933, em São Luís (MA), filho de operários, chegou a passar fome até conseguir ingressar no corpo de baile do Teatro Municipal. Joãosinho foi polêmico, irreverente e inovador. Conhecido por pregar o luxo nas escolas, ele surpreendeu o Sambódromo com o desfile dos mendigos e do lixo. O enredo “Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia”, em 1989, é considerado por especialistas um dos maiores desfiles de todos os tempos, talvez o mais revolucionário. Depois de imortalizar a frase “Quem gosta de miséria é intelectual; pobre gosta de luxo”, o carnavalesco foi ovacionado por ter feito um desfile que expunha a pobreza. Apesar do sucesso, ficou em segundo lugar.

Uma carreira genial e polêmica

Joãosinho é o maior campeão do carnaval carioca, com oito títulos no Grupo Especial. A polêmica o acompanhou por toda a vida. Ele protagonizou uma briga com a Igreja Católica ao levar para a Sapucaí o carro alegórico que trazia um Cristo mendigo. Censurada, a imagem foi levada para a passarela coberta por um plástico preto. Ele colocou ainda uma faixa com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós! ”. Foi Joãosinho também que pôs um homem voando com um minifoguete na Sapucaí, quando estava na Grande Rio, em 2001. Os críticos não perdoaram: disseram que aquilo nada tinha a ver com samba. No carnaval de 2004, ainda na Grande Rio, o enredo “Vamos vestir a camisinha, meu amor...”, que contava a história dos preservativos, gerou outros protestos da Igreja Católica. Três carros com esculturas de bonecos fazendo sexo foram encobertos por recomendação do Ministério Público estadual, que considerou as alegorias ofensivas. A escola ficou apenas em 10º lugar e Joãosinho foi demitido dias depois.

A vida no samba começou quando foi ele levado para o Salgueiro pelo carnavalesco Arlindo Rodrigues. Dez anos depois, quando seu padrinho deixou a escola, ele assumiu a função de carnavalesco. Em 1974, ganhava seu primeiro título na agremiação tijucana, com o enredo “O rei da França na Ilha da Assombração”. No ano seguinte, tornou-se bicampeão com “As minas do Rei Salomão”.

Mas foi na Beija-Flor, a partir de 1976, que Joãosinho Trinta consagrou-se como mago dos desfiles, revolucionando o carnaval com carros alegóricos imensos e fantasias luxuosas. Foram três títulos seguidos — “Sonhar com rei dá leão” (76), “Vovó e o rei da Saturnália nacorte egipciana” (77) e “A criação do mundo na tradição nagô” (78). Na azul e branco de Nilópolis, ganhou ainda os carnavais de 1980, com o enredo “O sol da meia-noite - uma viagem ao país das maravilhas”, empatado com Imperatriz e Portela —, e de 1983, com “A grande constelação de estrelas negras”.

O cantor Neguinho da Beija-Flor lembrou que os dois entraram juntos na Beija-Flor, em 76, e tiveram vários momentos emocionantes na escola.

— Me lembro que quando cantei o samba de 1980, que era o “Sol da meia-noite, uma viagem ao país das maravilhas”, olhei para o Joãosinho e ele estava chorando. Por isso, esse é um samba que me emociona até hoje. Ele era uma pessoa muito simples e inesquecível na minha vida — disse.

Em 1992, seu último ano na azul-e-branco, o carnavalesco foi afastado da direção do projeto que ajudou a criar, o “Flor do Amanhã”, que apoiava menores de rua. Foi acusado de corrupção de menores e responsabilizado por abrigar homossexuais e crianças em condições precárias no galpão da entidade. No ano seguinte, magoado, afastou-se da folia e viajou para Portugal, onde passou a comandar bailes na casa de espetáculos Cassino de Estoril.

O retorno ao carnaval foi na Viradouro em 1994. Mas o primeiro título na escola de Niterói só veio em 1997, com o enredo “Trevas! Luz! A explosão do universo!”. Foi a volta por cima do carnavalesco. Um ano antes, ele sofrera uma isquemia que deixou o braço direito paralisado e provocou dificuldades na fala. Segundo o próprio Joãosinho, a doença mudou seu comportamento e sua visão de mundo. Se antes centralizava o trabalho, passou a distribuir tarefas.

Antes de Joãosinho, os destaques desfilavam no chão, juntamente com os outros foliões. A diferença ficava apenas por conta da roupa, mais luxuosa que as outras. O maranhense pôs os destaques em cima dos carros alegóricos e aumentou a altura dos carros. O carnavalesco da Unidos da Tijuca, Paulo Barros, disse que assimilou todos os ensinamentos que Joãosinho Trinta o passou, para construir o seu jeito de fazer carnaval:

— As pessoas dizem que ele inventou o carnaval, mas eu prefiro dizer que Joãosinho Trinta inventou o carnaval contemporâneo.

A carnavalesca Rosa Magalhães disse que Joãosinho era “dedicação total” ao carnaval. Para ela, o carnavalesco revolucionou a festa do povo.

— Ele tinha o dom de transformar objetos do dia a dia em arte. Era criativo e inventou novos parâmetros no carnaval — disse Rosa.

Em 2004, quando preparava o carnaval da Vila Isabel, Joãosinho passou mal e teve um acidente vascular cerebral. No ano seguinte, fez reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Em 2006, ajudou a idealizar o carnaval campeão da Vila Isabel, junto com Alexandre Louzada. Naquele ano, Joãosinho cruzou a Sapucaí numa cadeira de rodas. Segundo o amigo e empresário Henrique Arthur, nos últimos meses ele tinha apresentado melhoras e no mês passado chegou a andar a cavalo no sítio de um amigo.

Dificuldades no fim da vida

Em 2010, arriscou uma carreira política em Brasília, mas só recebeu 233 votos. O carnavalesco que exaltou o luxo passou seus últimos dias na pobreza. Mesmo sem ter planos de saúde, esteve internado em junho no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo. Deixou o Rio para voltar a sua terra natal, onde morreu na manhã de onde choque séptico secundário, pneumonia e infecção urinária. Ele estava internado há 14 dias na capital maranhense.

O governo do estado e a prefeitura de São Luís decretaram três dias de luto oficial. No Rio, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes lamentaram a perda. A presidente Dilma Rousseff também divulgou nota, destacando a criatividade de Joãosinho. O corpo do carnavalesco, que começou a ser velado no Museu Histórico e Artístico do Maranhão, será enterrado amanhã, no Cemitério do Gavião.