Título: Soluções para os engarrafamentos estão à mão: iPhones, iPods, MP4...
Autor: Galdo, Rafael
Fonte: O Globo, 18/12/2011, Rio, p. 21
Presos no trânsito, passageiros ouvem música, enviam e-mails e navegam na rede
A PROFISSIONAL DE marketing Tatiana Ferreira: rock para poder suportar os engarrafamentos na Ponte
ANDRÉ CUNHA (em primeiro plano) e Maurício Araújo: viagem de ônibus
rafael.galdo@oglobo.com.br
Em média, cinco horas por dia, ou quatro dias inteiros por mês no ônibus, quase sempre em vias congestionadas, de casa para o trabalho. Tempo suficiente para o professor Johnnatan Schubert, morador de Duque de Caxias, ouvir música, trocar e-mails, tuitar, navegar no Facebook ou tudo mais que aparelhos como o celular (cheio de aplicativos) ou o MP4 permitirem. Preso no trânsito, mas ligado no mundo, ele faz parte de um grupo de cariocas e moradores de cidades vizinhas que, diante de engarrafamentos cada vez maiores, tem encontrado em gadgets — que se juntam aos velhos e bons livros, revistas e jornais — parceiros de viagens para se comunicar, trabalhar ou simplesmente se entreter.
— De celular e MP4 carregados, estou pronto para o congestionamento. Vou tuitando, muitas vezes sobre o próprio trânsito. Só assim para passar o tempo. Já cheguei a levar 4 horas de Caxias à Barra, parado na Linha Vermelha e na Avenida Brasil — afirma Johnnatan, que diz conseguir até planejar um dia inteiro de trabalho enquanto está no ônibus.
Downloads à noite para ouvir no engarrafamento
Se usar o celular para falar ou navegar na internet é proibido para quem está dirigindo, a profissional de marketing Tatiana Ferreira tem outra função para o aparelho. Diariamente, no caminho entre São Cristóvão, onde trabalha, e Santa Rosa, em Niterói, onde mora, ela pluga seu iPhone no rádio do carro e atravessa a Ponte Rio-Niterói ouvindo rock em alto e bom som:
— São oito giga de música. Passo as noites fazendo downloads na internet para ouvir no engarrafamento. A cada dia percebo mais carros nas ruas e o trânsito mais parado. Enquanto não houver transporte público de qualidade, as pessoas vão continuar comprando carros.
O que Tatiana constata nas ruas pode ser comprovado em estudos e números. De acordo com projeções de Paulo Cezar Ribeiro, professor de engenharia de transporte da Coppe/UFRJ, na cidade do Rio a velocidade média no trânsito não deve passar de 20km/h já em 2020 — hoje, segundo ele, essa velocidade gira em torno de 30km/h. Isso numa perspectiva de que, entre 2016 e 2018, a frota de veículos da cidade ultrapasse a marca de três milhões. E de que, em 2020, esse número de três milhões seja apenas o de automóveis na cidade, sem contar ônibus e caminhões.
De acordo com o Detran, a frota de toda a Região Metropolitana do Rio é de 3.703.670 veículos (dados de outubro). Ou seja, 60% a mais que dez anos atrás, quando a região tinha cerca de 2,3 milhões de veículos.
Em Niterói, onde mora Tatiana, o crescimento no número de veículos foi de quase 50%, chegando a 246.122 e dando ao município a maior taxa de motorização do Grande Rio: um veículo para cada 1,8 habitante. Já na cidade do Rio, de outubro de 2001 ao mesmo mês deste ano, o número de veículos saltou de 1.673.042 para 2.469.476 (crescimento de 47,6%), ou um veículo para cada 2,4 habitantes.
— É um crescimento espantoso. Nada indica que isso mudará. E não vejo soluções viárias e de transportes que resolvam. As pessoas e a cidade sofrem com isso. O trânsito implica desde a perda na qualidade de vida da população até o prejuízo financeiro para a economia — diz Paulo Cezar.
Foi para evitar o estresse no trânsito que o engenheiro Arnaldo Valério tomou a decisão de deixar o carro na garagem nos dias de semana e só usá-lo nos fins de semana. Para ir de casa, na Barra, ao trabalho, em Botafogo, ele aderiu aos ônibus dos condomínios. E no caminho, em vez de dirigir, navega na internet pelo celular e usa o tempo de viagem para ler e-mails do trabalho. No mesmo ônibus, viaja o administrador de empresas André Cunha, que passa as mais de duas horas diárias de trânsito lendo e assistindo a filmes e seriados num IPad:
— Baixo tudo pensando em assistir no congestionamento. Às vezes, assisto a um filme inteiro ou a capítulos de seriados. Resolvi usar esse tempo, que eu perderia, para me entreter. Fazer coisas que talvez não conseguiria em casa.
Kits multimídas instalados nos painéis dos carros
Já nos carros, está se tornando comum a instalação dos kits multimídias nos painéis. Lojas da Barra e de Jacarepaguá, por exemplo, afirmam que a procura aumentou entre 40% e 50% em um ano, e a oferta de produtos é crescente, com preços que variam de R$380 a cerca de R$4 mil. No mercado, há até videogame no banco traseiro para as crianças. Para o painel, televisões digitais, GPS e DVDs integrados são os mais procurados, embora a legislação de trânsito não permita que o motorista use esses aparelhos enquanto está dirigindo.
Colisões traseiras aumentam com kits multimídia
Apesar da proibição, muitos a desrespeitam. E o entretenimento acaba tendo também seus perigos. De acordo com oficinas mecânicas da cidade, desde o início do boom dos kits multimídia, elas têm registrado um aumento de até 20% nos casos de colisões traseiras, aquelas típicas de quando o motorista está desatento no trânsito. Bombeiros e PM não têm estatísticas sobre esses casos. Mas Jane Moura, gerente da oficina Sol & Lua, em Botafogo, não tem dúvidas em apontar os DVDs e outros aparelhos como um dos culpados pelo aumento do número de clientes com esse tipo de colisão.
— As pessoas ficam mais dispersas. No nosso caso, o aumento registrado recentemente foi de 15%. Apesar disso, eu tenho um kit multimídia no meu carro. Só que fica no banco de trás, com uma telinha de DVD para distrair as crianças enquanto estamos no trânsito — afirma ela, ressaltando que são os mais jovens os que mais procuram esses equipamentos. — Eu mesma tenho uma cliente que tinha acabado de conseguir a carteira de habilitação e dirigia assistindo a um DVD quando bateu no carro da frente — completou.
oglobo.com.br/rio