Título: Motoristas levam o triplo do tempo para percorrer os principais corredores viários
Autor: Antunes, Laura; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 18/12/2011, Rio, p. 20

Cariocas engarrafados

ENGARRAFAMENTO NA chegada à Rodoviária: tormento diário para os motoristas

A MÉDICA Gisela Andrione no trânsito: muita paciência no trajeto casa-trabalho

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ORio está cada vez mais perto de São Paulo. Ultimamente, não há mais dia, hora ou local certos. E, muitas vezes, nem um motivo óbvio, como um acidente, um temporal ou uma obra emergencial. Sem mais nem menos, o motorista carioca se vê retido num grande congestionamento. E números confirmam a marcha lenta no dia a dia: a velocidade média hoje no trânsito do Rio, levando-se em conta todos os horários, caiu para 20km/h no caso de carros particulares e 17km/h para ônibus, segundo a Secretaria estadual de Transportes. Isso quer dizer que hoje, para percorrer de carro, por exemplo, os 187km dos nove principais corredores viários da cidade, os motoristas demoram nove horas e 37 minutos — o triplo do tempo que poderiam gastar se dirigissem à velocidade de 53km/h, indicada pelo Google Maps (sem engarrafamentos). Há cinco anos, essas velocidades médias eram de 22km (carros) e 19km/h (ônibus), segundo dados oficiais.

E a previsão é de mais engarrafamentos se projetos viários anunciados pelo poder público não encontrarem sinal verde: em dez anos, a velocidade média dos carros pode cair para 16km/h e a dos ônibus, para 15km/h — praticamente o equivalente a um homem andando a cavalo. Os dados preocupantes saem das anotações do secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, que, inclusive, acabou “vítima” do tema da reportagem, na última quinta-feira: ele chegou 45 minutos atrasado para a entrevista porque ficou preso num congestionamento no trajeto entre Botafogo e o Centro.

A bem da verdade, o Rio ainda não tem, como São Paulo, mecanismos para medir a extensão diária de seus congestionamentos. A grande fonte de dados das autoridades ainda é o Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) da Região Metropolitana, elaborado em 2003, que projeta engarrafamentos de 130km de extensão em 2013. Mas, para muitos motoristas, esse dia já chegou. O ator Marcelo Brou, no ar com a novela “Fina estampa”, da TV Globo, sofre sempre que se desloca de casa, em Copacabana, para gravar no Projac, em Jacarepaguá. Se num passado recente demorava 45 minutos, hoje ele leva até duas horas e meia.

— Quando gravo às 9h, saio de casa antes das 7h. Como não dá para tomar café, levo um “kit engarrafamento” no carro, com frutas, barra de cereais, água e iogurte — conta Brou, que ainda carrega livro, tablet e TV portátil para se distrair quando o trânsito para totalmente.

Mas o que está acontecendo agora, perguntam-se os cariocas, já que há Natal todo ano e, com isso, grande movimento de consumidores motorizados nas ruas? Para o diretor de Operações da CET-Rio, Joaquim Dinis, parte da resposta está no aumento do número de obras — como na Zona Portuária, no Recreio e no Largo do Campinho. Sem falar nos tapumes da CEG que “enfeitam” as pistas bairros afora. Outro complicador é o crescimento da frota carioca, que passou de 1,68 milhão (2001) para 2,47 milhões este ano — 49% a mais. Dentro desse total, vale ressaltar que o número de carros particulares subiu 35% (de 1,4 milhão para 1,9 milhão) e o de motos, 171% (de 83 mil para 226 mil):

— Uma hipótese é que o aumento da frota de motos implica também maior risco de acidentes com esses veículos, que sempre têm vítimas, aumentando o tempo de liberação das vias — analisa Dinis.

O aumento da frota se reflete, claro, no aumento do volume de tráfego em trechos de oito das dez vias de maior movimento. Apenas na Avenida Brasil, na altura da Fiocruz, 190 mil veículos circulavam, em média, por dia em 2010. Agora, o fluxo chega a 214 mil, um aumento de 13%, segundo a CET-Rio. A Avenida Presidente Vargas, na altura do prédio dos Correios, é a segunda com maior número de veículos: passou de 189 mil para 197 mil por dia (4,8%). Na Avenida Ayrton Senna, na altura do Shopping Via Parque, terceira colocada, o fluxo de veículos cresceu 3,9%. Ainda segundo a CET-Rio, na contramão estão o Túnel Zuzu Angel e a Linha Amarela, na altura do Túnel da Covanca, onde o volume de tráfego estranhamente diminuiu — nem a CET-Rio sabe por quê. Nas dez vias pesquisadas, o crescimento da frota em circulação foi de 1,73% em um ano.

Os nove principais corredores de tráfego são a Ponte Rio-Niterói até Laranjeiras (via Santa Bárbara); Avenida Ataulfo de Paiva (Leblon) até a Rua Lauro Sodré (Botafogo); Avenida Ayrton Senna (Barra) até o fim da Linha Amarela; Avenida Radial Oeste até a Candelária (via Avenida Presidente Vargas); Aterro do Flamengo até a Avenida Prefeito Mendes de Morais (São Conrado, via orla); Autoestrada Lagoa-Barra até o Recreio dos Bandeirantes (via Avenida das Américas); Elevado Paulo de Frontin (Rio Comprido) até Avenida Borges de Medeiros (via Túnel Rebouças); Avenida Brasil (do Caju a Santa Cruz); e Linha Vermelha (até o entroncamento com a BR-040). Para percorrer todos esses trajetos, o carioca levaria três horas e 48 minutos, se não precisasse pisar tanto no freio e trafegar à velocidade média de 20km/h.

Outra vítima da lentidão do trânsito é a médica Gisela Fernandes Andrione, que mora na Barra e trabalha em Niterói. Apesar de sair às 7h de casa, ela conta que, inevitavelmente, pega engarrafamentos.

— Sempre que passo por São Conrado e Gávea, o trânsito está congestionado. Perco muito tempo. Felizmente, quando chego à Ponte, estou na contramão do fluxo — diz Gisela, que passou a sair de casa com maior antecedência para não perder a hora.

Nas ruas, os motoristas enfrentam — além do aumento da frota, possíveis acidentes e obras — irregularidades diversas, praticadas por quem não tem civilidade no trânsito, como carros parados em fila dupla e caminhões descarregando em locais proibidos. Na última quarta-feira, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde do lado direito funciona um BRS (corredor exclusivo de ônibus), O GLOBO contou, entre meio-dia e 13h, 11 veículos parados na faixa esquerda, com o pisca-alerta ligado. Já na Rua Barata Ribeiro, onde também há BRS, havia 14 outros carros na mesma situação. Nesta última via, não havia um só operador da CET-Rio ou guarda municipal. Já na Nossa Senhora de Copacabana havia seis operadores da CET-Rio. O órgão, porém, garante que o número de operadores em toda a cidade passou de 40 para 600.

Nem nos fins de semana os engarrafamentos têm dado trégua. Que o diga o estudante Daniel Carvalho, que no sábado retrasado saiu de Copacabana para um almoço de aniversário na Baixada Fluminense, certo de que encontraria pistas liberadas, já que o dia estava nublado:

— Encontrei tudo parado pela frente. Botafogo, Humaitá, Rebouças... E não vi nada que justificasse isso, a não ser o excesso de carros. Na Linha Vermelha, o trânsito estava melhor, mas, quando entrei na Via Dutra, estava tudo parado de novo por causa de obras. Acabei chegando uma hora mais tarde do que o planejado.

Do alto, literalmente, de sua experiência como repórter aéreo, Genilson Araújo, da Rádio CBN, observa diariamente, do helicóptero, os principais nós no trânsito da cidade, em pontos como Zona Portuária, Presidente Vargas, Ponte Rio-Niterói, Avenida Brasil, Madureira, Jacarepaguá, Botafogo, Lagoa e Barra.

— O trânsito no Rio está tão ruim que, dependendo da hora, um acidente na Zona Sul pode parar o tráfego em bairros distantes. Hoje, uma via saturada, se tiver um problema, pode parar a cidade. Foi o que aconteceu recentemente na Linha Amarela, onde um ônibus pegou fogo. Há poucos dias, um acidente entre um carro e uma moto parou o trânsito na Presidente Vargas, com reflexos em todo o Centro e Zona Sul — diz Genilson.

Já o secretário Júlio Lopes tenta acalmar os motoristas com a garantia de que intervenções viárias na Região Metropolitana — como a construção da Linha 4 do metrô e do Arco Metropolitano, a implantação de BRTs e a chegada de novos trens — vão frear o caos no trânsito até 2016.

— A velocidade média só cairá se nada for feito. Mas estamos cumprindo cronogramas de obras e adquirindo equipamentos para a melhoria dos sistemas de transporte de massa, como trens e metrô — diz Lopes, acrescentando que estão sobre sua mesa de trabalho estudos para diminuir o impacto negativo de caminhões nos acessos à Região Metropolitana.

Esses veículos são uma das causas da lentidão do trânsito na capital. Um levantamento da secretaria em dez acessos mostra, por exemplo, que, entre 16h e 18h (período crítico do rush da tarde), entram no Rio e saem da cidade 4.016 caminhões. Como trafegam a velocidade reduzida, atrapalham o trânsito. Lopes confirmou que deve começar pela Rio-Petrópolis, no fim de janeiro, a limitação do horário de circulação de caminhões — inicialmente, apenas nos fins de semana, feriados e vésperas de feriados.