Título: Nas fronteiras da falta de desenvolvimento
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 18/12/2011, O País, p. 12/13

Programa federal de ações socioeconômicas em áreas limítrofes com outros países tem queda de verba e de execução do orçamento

Ligar para o telefone celular de alguém em Tabatinga (AM) significa tentar mais de cinco vezes para conseguir uma ligação que pode cair antes de completar um minuto. Há pelo menos seis meses, os moradores da cidade, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, sofrem tanto com o funcionamento dos celulares que, contam eles, só faz aumentar o número de pessoas que vão à cidade colombiana de Letícia comprar chip de uma empresa telefônica daquele país. Como Tabatinga também só tem um hospital, e nenhuma clínica particular, é comum mulheres grávidas irem a Letícia ter o filho lá, para depois o registrarem também do lado de cá. As condições econômicas e sociais do município - no qual 69,7% dos domicílios não têm saneamento - são um exemplo da falta de investimento no desenvolvimento socioeconômico das fronteiras do Brasil.

Este ano, o governo federal lançou o Plano Estratégico de Fronteiras, que trata só de ações de segurança - enquanto isso, o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), também federal, e que prevê ações de incentivo à produção econômica local e à melhoria da estrutura urbana e social, sofre queda contínua na execução do seu orçamento. Em 2006, o percentual pago para o programa era de 62%; este ano, até maio, tinha sido de menos de 1%, segundo estudo divulgado por pesquisadores da UFRJ com dados disponíveis até aquele mês. O próprio governo admite a baixa execução do orçamento do programa este ano. Se o que se elogia nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio, por exemplo, é o fato de as ações sociais complementarem a segurança, nas fronteiras do país o efetivo policial-militar convive com condições de vida e falta de perspectiva de emprego que aumentam as oportunidades para o avanço da criminalidade.

Coordenadora do Retis, grupo de pesquisa da UFRJ que estuda as fronteiras, e professora da Pós-Graduação em Geografia da universidade, Lia Osório Machado diz que o desenvolvimento para a faixa de fronteira tem sido gradualmente abandonado:

- O PDFF começou no primeiro governo Lula, mas passou a ser abandonado no segundo, e agora isso se agrava - diz Lia. - Houve aumento dos investimentos no PDFF até 2009; porém, o percentual do que foi executado variou em torno de 20% em 2010, ou seja, o PDFF passou a investir, na realidade, muito pouco do que recebia em dotação orçamentária.

Mas, além disso, "a própria dotação caiu praticamente 50% em 2010", destaca Lia. Segundo estudo divulgado pelo Retis, ela foi de R$372 milhões em 2009 para R$175 milhões em 2010, e R$103 milhões previstos inicialmente para 2011. Destes, 0,16% (quase R$165 mil) tinha sido pago até maio.

- As fronteiras no Sul foram as que mais conseguiram levar adiante ações de desenvolvimento. As do Norte ficaram só com a Defesa mesmo. E as do Centro-Oeste, sob a ótica policial, por serem consideradas uma das principais entradas de droga no país - completa Lia. - Quando há investimento socioeconômico, ele é mais ação social, só que, na verdade, o investimento na economia local é o que conta, por exemplo, para a fixação da população na área. Quando olhamos o Censo de 2010, vemos que a população nas cidades de fronteira estagnaram; isso mostra que, se não há ação de estímulo à economia local, as pessoas não ocupam.