Título: Brasil e o povo sírio
Autor: Houry, Nadim
Fonte: O Globo, 18/12/2011, Opinião, p. 7

Restando duas semanas para o fim de seu mandato de dois anos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil tem uma tremenda oportunidade de tornar seu voto importante para o povo sírio.

Com o apoio do Brasil, o Conselho de Segurança pode superar oito meses de inação e se juntar à Liga Árabe, à Turquia e a dezenas de outros países para pressionar concretamente o governo da Síria a pôr fim ao banho de sangue.

Em novembro, o Brasil aderiu a uma grande coalizão na Assembleia Geral da ONU para condenar os assassinatos e as torturas cometidos pelas forças de segurança do presidente Bashar al-Assad. O país se livrou então da camisa de força imposta pelo chamado grupo Ibas; seus dois outros membros, Índia e África do Sul, se abstiveram, tal qual fizeram Rússia e China.

Foi uma mudança bem-vinda em relação à posição brasileira no Conselho de Segurança, no qual, em 4 de outubro, o país decidiu abster-se de votar uma resolução condenando os abusos na Síria, o que permitiu que Rússia e China a vetassem. O embaixador da Síria na ONU reivindicou vitória diplomática para seu país e a matança se acelerou.

Alguns justificaram a inação em relação à Síria citando a Líbia, ao alegar que a Otan ultrapassou os limites de seu mandato conferido pela ONU e agiu para obter uma mudança de regime sob o pretexto de proteger a população contra atrocidades em massa.

Mas punir o povo sírio por algo que a Otan fez na Líbia foi um erro de cálculo trágico. Diplomatas brasileiros estão agora enfrentando a situação com a defesa da tese de "proteção responsável", para afastar qualquer possibilidade de a doutrina ser usada de forma cínica.

Outros disseram que a situação era confusa - mas esta não pode ser uma desculpa válida depois que a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, declarou ao Conselho que mais de 5 mil pessoas já foram mortas pela repressão governamental na Síria. O que confirma o resultado de um inquérito da ONU, habilmente conduzido pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, cuja conclusão foi de que as forças de segurança sírias cometeram crimes contra a humanidade. Estas conclusões são consistentes com pesquisas realizadas pela Human Rights Watch.

Num novo relatório baseado em entrevistas com mais de 60 desertores das forças armadas e agências de inteligência da Síria, a Human Rights Watch fornece evidência conclusiva de que altos oficiais e comandantes sistematicamente ordenaram, autorizaram e desculparam as matanças. E nós relacionamos os 74 oficiais implicados nos abusos. Desertores disseram-nos que oficiais receberam ordens de encerrar os protestos "de todas as formas necessárias", o que eles entenderam incluir o uso de força mortal.

Descrições consistentes de numerosos oficiais dando ordens semelhantes a unidades em toda a Síria em diferentes ocasiões não deixam dúvida de que a repressão foi ampla e sistemática e faz parte de uma política do governo, o que constitui crime contra a humanidade.

Independentemente de Assad ter ordenado a repressão, como comandante em chefe ele tem responsabilidade pelo que suas tropas estão fazendo: ele sabia ou deveria saber dos abusos e não agiu para preveni-los.

O Brasil pode mudar a história na ONU. O país se somaria aos esforços para impor um embargo de armas, proibição de viagens e congelamento de bens de altos oficiais sírios envolvidos na violência. Também pode apoiar o encaminhamento do caso ao Tribunal Penal Internacional (TPI), segundo pedido da comissária Navi Pillay. Se mover seus amigos do Ibas na direção correta, o Brasil fará com que Moscou e Pequim tenham de recorrer ao vexame de se abster.

Essas ações mostrarão ao mundo que a força moral do Brasil é coerente com seu poder de nação emergente que merece um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

NADIM HOURY é vice-diretor para o Oriente Médio da Human Rights Watch.