Título: Brasil dividido sobre punição
Autor: Fleck, Isabel; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2009, Economia, p. 18

Itamaraty, sempre diplomático, quer ¿machucar¿ os EUA por concorrência desleal no mercado de algodão. Desenvolvimento prega diálogo

Para Welber Barral, país já está se beneficiando da retomada da economia latino-americana e dos EUA

O governo deu ontem sinais de que está dividido quanto à possibilidade de impor sanções comerciais aos Estados Unidos de até US$ 800 milhões, conforme autorizou a Organização Mundial do Comércio (OMC). De um lado, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, defende uma ação enérgica, de forma a ¿machucar¿ os americanos, por concorrência desleal no mercado de algodão. De outro, o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (Midc), Welber Barral, prega o diálogo em vez do embate. Na avaliação dos especialistas, essa falta de consenso só demonstra a fragilidade da posição brasileira quando o assunto é comércio internacional, permitindo que o empresariado nacional se torne alvo fácil de práticas abusivas por parte da concorrência. Sobretudo se ela for americana.

Para Amorim, a hora é de o Brasil marcar presença. ¿O objetivo da retaliação não é punir, mas induzir o país que descumpriu a norma a mudar sua legislação. Temos de machucar (os EUA). Mas nada será definido de forma emocional nem significará um tiro no pé¿, afirmou. Segundo o ministro, haverá escolhas que prejudicarão quem não seguiu as regras da OMC. ¿A questão da retaliação não é emotiva. Tem como objetivo fazer com que o país que teve a prática errada, ou que tem leis erradas, modifique essas normas de modo a ficar de acordo com a OMC¿, reforçou Amorim, após encontro com os chanceleres indiano, Shri S. M. Krishna, e sul-africana, Maite Nkoana-Mashabane.

O ministro defendeu ainda que as retaliações sejam negociadas com o Ministério da Saúde e com a Câmara de Comércio Exterior (Camex), a fim de não criar ¿um problema¿ para os brasileiros. ¿É algo que tem que ser muito bem estudado, com muito cuidado. Vamos escolher os setores que menos nos afetem, mas que mais afetem os EUA. Ninguém vai criar um problema numa área que atrapalhe, por exemplo, a disponibilidade de um remédio¿, destacou. De acordo com ele, o Brasil criará uma ¿listinha de pontos de retaliação¿, que será ¿muito estimulante¿ para as negociações. ¿Uma coisa interessante, nesse caso, é que a retaliação pode ser renovada a cada ano, na medida em que os subsídios sejam mantidos. E o fato de ela ser variável é até muito útil, porque, conforme os subsídios aumentem, a retaliação também aumentará¿, explicou.

Concessão No entender de Welber Barral, ¿o cerne do caso é levar os EUA a cumprir a decisão¿, sem que, para isso, seja necessário recorrer ao litígio. ¿O que o Brasil quer é o cumprimento da decisão, que é a eliminação dos subsídios no setor de algodão. E isso passa por uma negociação¿, pregou. Para amenizar o debate, ele ressaltou que a decisão histórica da OMC (a primeira nesse sentido a dar ganho de causa ao Brasil) teria sido mal interpretada. ¿O termo correto não é retaliação, mas, sim, suspensão de concessões¿, disse.

As relações comerciais entre os dois países também foram levadas em conta pelo secretário, que ressaltou que grande parte da pauta de comércio se baseia na venda de insumos à indústria brasileira. Por isso, levar a briga adiante seria um erro. ¿Ninguém eleva tarifa sobre insumos porque prejudica sua própria indústria.¿ Nas contas de Barral, a decisão da OMC é bastante rara. ¿Cerca de 400 casos foram levados à Organização e, em poucos, houve autorização de retaliação. Talvez somente seis casos¿, lembrou.

Temos de machucar (os EUA). Mas nada será definido de forma emocional nem significará um tiro no pé¿

Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores

O número US$ 800 milhões Valor total das retaliações que o Brasil pode impor aos EUA

América Latina puxa exportação

A retomada econômica dos países da América Latina e a reação, ainda que tímida, da atividade nos Estados Unidos ajudaram o Brasil a registrar, em agosto, o terceiro maior saldo comercial deste ano. As exportações superaram as importações em US$ 3,074 bilhões. As vendas brasileiras foram, mais uma vez, lideradas pelas commodities (mercadorias com cotação internacional), como milho e ferro. Mas também houve reação de produtos de alto valor agregado, como aviões, com crescimento de 43% em valor quando comparado a julho.

No mês passado, as exportações brasileiras à América Latina e Caribe e aos Estados Unidos aumentaram, respectivamente, 11,6% e 27,7%. Mas não foi somente a esses países que houve expansão das vendas de produtos brasileiros. O país registrou aumento nos embarques em nove dos 12 destinos compradores. E diversificou também os produtos exportados, com açúcar à Índia e aeronaves aos Estado Unidos. ¿Com a crise, o exportador brasileiro foi obrigado a procurar outros mercados, que também abriram portas a outros produtos nacionais¿, explicou o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).

Também a despeito da crise, o Brasil passou a importar menos. Em agosto, o país comprou US$ 10,767 bilhões, o que corresponde a uma queda de 38,3% ante igual período de 2008, quando o mundo ainda não havia sentido os impactos da recessão. Ante julho, porém, houve aumento das importações, de 5,1%, indicando que os brasileiros estão com mais dinheiro no bolso.

No acumulado do ano, o superávit atingiu US$ 19,968 bilhões, com crescimento de 18,7% sobre os oito primeiros meses de 2008. ¿Talvez tenhamos saído da crise, mas o resto do mundo, não¿, refletiu Barral. Apesar do saldo maior, houve encolhimento tanto no volume de exportações (24,7%) quanto de importações (31,1%). Em termos nominais (sem levar em conta a inflação no período), a corrente de comércio do país encolheu R$ 68,8 bilhões. (DB)