Título: Política, a nova guerra do Iraque
Autor:
Fonte: O Globo, 22/12/2011, O Mundo, p. 44

Cinco dias após retirada dos EUA, premier xiita ameaça destituir sunitas

BAGDÁ

Apenas cinco dias. Foi o tempo necessário após a saída das tropas americanas para que uma disputa entre o premier xiita Nuri al-Maliki e o vice-presidente sunita Tariq al-Hashemi paralisasse o Parlamento. E ganhasse contornos sectários capazes de reabrir o sangrento conflito entre sunitas e xiitas que abalou o país em 2006. No epicentro da crise está uma ordem de prisão de Maliki contra Hashemi — acusado de promover, anos atrás, terrorismo contra xiitas. O imbróglio, porém, ganhou outro elemento — étnico — de tensão. Para escapar da captura, o acuado vice-presidente buscou refúgio na região semiautônoma do Curdistão. Mesmo diante de uma oposição revoltada com as denúncias, Maliki não hesitou em ameaçar excluir os sunitas do poder, e exigiu a entrega de Hashemi.

A instabilidade eclodiu antes mesmo da retirada dos EUA. Irritado com o premier, considerado centralizador por muitos, o vice-premier sunita Saleh Mutlaq criticou Maliki numa entrevista — chamando-o de “um ditador pior que Saddam Hussein”. A ousadia rendeu-lhe um pedido pessoal do primeiro-ministro para que o Parlamento apresentasse uma moção de desconfiança destituindo-o do cargo.

O episódio já provocara uma crise no Parlamento. Afinal, além dos 159 deputados da majoritária coalizão Aliança Nacional (a facção xiita de Maliki), o Legislativo de 325 cadeiras depende dos 91 assentos da facção secular e multiétnica (embora majoritariamente sunita) Iraqiya, de Mutlaq e Hashemi.

Vice-presidente se diz perseguido

A medida foi a gota d’água para a comunidade sunita e para a bancada da Iraqiya, sentindo-se marginalizada e descontente com a morosidade do premier em cumprir a promessa de dar mais autonomia às províncias federais — sobretudo em áreas sunitas. O bloco, então, não só começou a boicotar as sessões parlamentares como suspendeu sua participação na coalizão.

Quando pensava-se que a crise havia chegado ao ápice, vieram as denúncias contra outro político sunita, Tariq al-Hashemi. Segundo fontes de segurança, ex-guarda-costas dele, detidos há duas semanas, acusaram-no de terrorismo. Ele estaria por trás de uma milícia que, no auge dos conflitos étnicos no país, caçava alvos xiitas. O premier pediu, então, que um mandado de prisão fosse emitido contra o vice-presidente — que se diz vítima de uma armação de Maliki.

— Juro que sou inocente, não cometi nenhum pecado contra meu país e nem contra nenhum cidadão iraquiano — declarou.

Ele buscou refúgio no Curdistão, a próspera região semiautônoma no Norte do Iraque, palco agora de uma curiosa ironia: os curdos, massacrados pela ditadura árabe sunita de Saddam Hussein, estão dando abrigo a um político árabe e sunita — o que deixa numa situação delicada o premier curdo, Barham Salih, que já tem uma relação tortuosa com Bagdá por divergências quanto à política petrolífera.

Ontem, Maliki distribuiu ameaças. Exigiu que as autoridades curdas entreguem o vice-presidente e advertiu para “problemas” caso não seja atendido:

— Não aceitamos nenhuma interferência na Justiça do Iraque.

Sob os olhares atentos e apelos por cautela emitidos pela Casa Branca, o primeiro-ministro foi além: ameaçou romper o acordo de divisão de poderes instituído em 2009, segundo o qual o Iraque tem um primeiro-ministro xiita, um presidente curdo e presidente do Parlamento sunita. E não faltaram, ainda, ameaças de demitir todos os ministros sunitas do Gabinete — o que poderia ter consequências inimagináveis na jovem democracia iraquiana.