Título: Artilharia pesada para salvar bancos europeus
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 22/12/2011, Economia, p. 35

BCE abre linha de crédito a juros de 1% ao ano, obtém procura recorde e acaba emprestando 489 bi a 523 instituições

O Banco Central Europeu (BCE) cumpriu ontem a promessa de garantir a liquidez das instituições financeiras da região: abriu uma linha de crédito de três anos, a juros de apenas 1% ao ano. A forte demanda fez com que o montante atingisse o recorde de 489 bilhões, superando os 442 bilhões concedidos em 2009, bem como as projeções dos analistas, de 300 bilhões. Buscaram crédito no BCE 523 bancos.

Segundo a Reuters, citando fontes próximas ao assunto, cerca de uma dezena de bancos italianos responderiam por 116 bilhões do crédito cedido pelo BCE. Haverá uma nova oferta de crédito em fevereiro.

Se por um lado isso reduz significativamente o risco de uma crise do crédito, por outro analistas se assustaram com a forte demanda, suscitando dúvidas sobre a saúde financeira dos bancos. Logo após o anúncio do BCE, o euro chegou a subir 0,9% frente ao dólar. Mas depois a moeda única recuou 0,3%, a US$1,3046. Os principais mercados europeus também fecharam em baixa: Londres (0,55%), Frankfurt (0,95%) e Paris (0,82%).

- Quando a notícia saiu, acreditou-se que seria algo positivo e que daria liquidez aos bancos. Mas o mercado leu de uma forma diferente: se emprestou mais, é porque os bancos podem estar em situação pior do que a prevista - explica o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.

Já Jean-François Robin, estrategista do banco Natixis, disse ao jornal francês "Le Monde" que o empréstimo foi "uma boa novidade", já que o BCE "deu plena munição aos bancos". "Não é o fim da crise, mas um enorme alívio para o financiamento do ano que vem", ressaltou.

Jacques Cailloux, economista-chefe para a zona do euro do Royal Bank of Scotland, disse ao jornal americano "The New York Times" que o crédito do BCE reduz o risco de uma situação similar à do Lehman Brothers, "na qual os bancos precisam se refinanciar e não têm acesso aos mercados".

Dólar tem alta de 0,70%, a R$1,858

Em Nova York, o índice Dow Jones fechou praticamente estável, em alta de 0,03%, depois de recuar até 1% devido aos temores sobre o setor bancário europeu. O S&P 500, que também ficou quase todo o dia no vermelho, avançou 0,19%. O Nasdaq, no entanto, fechou em queda de 0,99%, devido ao tombo de 11,66% da Oracle após divulgar vendas muito abaixo das projeções.

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou ontem em queda de 0,37%, aos 56.864 pontos pelo Ibovespa, seu principal índice. Na mínima, chegou a recuar 1,44%. Já o dólar comercial avançou 0,70%, a R$1,858, na expectativa de remessas de lucros das filiais de multinacionais para as matrizes no exterior.

As maiores perdas foram do setor de varejo. Os papéis ordinários (ON, com voto) da Hering encolheram 4,86%, e os da Hypermarcas caíram 3,74%. Segundo operadores, investidores venderam as ações na expectativa de desaceleração das vendas no trimestre corrente frente a igual período do ano passado. Além disso, o IPCA-15, prévia da inflação oficial, fechou o ano a 6,56%, acima da meta do governo, de 6,50% ao ano.

- Isso pressiona as ações pelo lado dos juros. Se a inflação não ceder, o espaço de atuação do Banco Central para cortar juros será menor - explicou um operador.

Fitch alerta para nota dos EUA

Mas foram Petrobras e OGX que mais pesaram no Ibovespa, com investidores vendendo os papéis para embolsar os ganhos após a forte alta de terça-feira. As ações preferenciais (PN, sem voto) da Petrobras recuaram 0,81%, a R$21,92. Os papéis da OGX caíram 2,34%, a R$13,33.

A questão agora é saber se os bancos vão usar os recursos para comprar títulos dos governos da zona do euro, como desejam o BCE, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.

- Mais importante que o tamanho da operação é o que os bancos farão com esse dinheiro - disse à agência Bloomberg News Simon Smith, economista-chefe da operadora de câmbio FXPro Group.

O diretor-geral da Associação de Bancos Italianos (ABI), Giovanni Sabatini, alertou que, agora que os mercados consideram os bônus dos governos como ativos podres, os bancos devem é reduzir sua exposição a esses papéis.

- Estou convencido de que essa liquidez deveria apoiar a economia real e evitar uma crise do crédito - disse o diretor-executivo do UniCredit, Federico Ghizzoni, em uma entrevista a uma rádio local.

Reforçando os temores sobre a economia global, a agência de classificação de risco Fitch Ratings reiterou ontem seu alerta para um possível rebaixamento da nota dos Estados Unidos, hoje "AAA". Pela Standard & Poor"s, a economia americana já perdeu o rating máximo.

A Fitch afirmou em nota que, se o Congresso americano não apresentar um plano para a reduzir o déficit orçamentário, a nota dos EUA será reduzida. A agência ressaltou, porém, que só tomará sua decisão em 2013.

(*) Com agências internacionais